O móvel com pinta de Brasil
O móvel com pinta de Brasil
Já com seu nome ventilado no exterior, Sergio foi chamado para projetos importantes no Brasil, sobretudo na nova capital. Nesse período, ainda na Oca, Sergio começou a receber encomendas para projetar móveis para Brasília, a recém-inaugurada capital do Brasil.
“Eu percebi que Brasília estava surgindo com aqueles palácios, com aquelas arquiteturas especiais e não tinha um interior condizente com a arquitetura que estava sendo apresentada. Você sentia falta do mobiliário, via que não complementava. Então, determinados ambientes em Brasília, inicialmente, eram de peças de complementos de arquitetos estrangeiros. Havia peças maravilhosas. Mas eu achava que já que havia sido criada uma arquitetura monumental com pinta de Brasil, com alguma coisa de Brasil, a parte de complementos desses ambientes devia ser brasileira também. Devia ter alguma coisa de Brasil. Devia ter alguma coisa que refletisse a nossa cultura, os nossos materiais usuais. Uma coisa de cultura brasileira poderia ser a parte indígena. A parte histórica aplicada ao conceito do mobiliário. Então eu disse: ‘Vou lutar para que isso possa ser feito.’ E feito com vantagens, utilizando materiais brasileiros.
Em uma visita à cidade, em 1963, o antropólogo Darcy Ribeiro, então reitor da Universidade de Brasília, o levou para conhecer o auditório Dois Candangos, que estava em construção na UNB. Darcy queria que Sergio projetasse as cadeiras do auditório. Sergio ficou entusiasmadíssimo e, ao mesmo tempo, em pânico, porque teria apenas vinte dias para entregar a encomenda de 250 cadeiras, que ele batizou de poltronas Candango. No voo de volta, imaginou uma base de metal para prender a peça única de couro para o assento e encosto da cadeira. Segundo a jornalista Adélia Borges, dessa forma a cadeira “deveria balançar ligeiramente para permitir a melhor circulação de pessoas entre as fileiras – detalhe que resolveu ao ver na porta de uma loja de motocicletas uma roda cujos raios estavam incompletos.”
A missão era difícil e pesada, mas Sergio conseguiu entregar as cadeiras em duas semanas. O imbróglio para montar as cadeiras no auditório foi uma segunda etapa da complicada tarefa. Quando foi instalada a primeira cadeira e Sergio sentou, o couro afundou. Corre-corre para resolver a questão e acabaram chamando um pai de aluno da faculdade que fabricava luvas e que prendeu com firmeza o couro na estrutura usando um instrumento de madeira. E assim, às pressas, foi inaugurado o auditório com todas as cadeiras montadas, com exceção de uma, que o tempo não permitiu. Sergio, então, passou toda a cerimônia de inauguração em pé no lugar dessa cadeira para que não notassem a falha. As cadeiras usadas na UNB foram depois usadas em muitos outros teatros pelo Brasil afora, inclusive no teatro do Anhembi, em São Paulo.
Depois das cadeiras da UNB, Sergio foi chamado várias vezes a Brasília para outras encomendas. Fez móveis para o Itamaraty e fez o gabinete do chanceler. Também fez móveis para o Senado, para o Palácio da Alvorada. Vera Beatriz se lembra que quando se casaram, Sergio estava fazendo todas as casas dos diretores do Banco Central, em Brasília. Fez o interior do Teatro Nacional de Brasília, o Cine Brasília e muitos outros projetos.
“Alguns móveis de Brasília foram produzidos numa série bastante grande. Não era ainda comparável à Forma ou à Objeto, essas outras fábricas já tradicionais. Nós estávamos começando ali, mas metendo a cara, fazendo muita coisa. E o Itamaraty, sempre muito entusiasmado conosco, queria sempre mais alguma coisa. Por exemplo, o caso do mobiliário que foi para o Palácio da Embaixada de Roma que o Itamaraty nos chamou para fazer. Havia muita coisa a ser feita, mesas de ministros, essas coisas. Eles diziam o seguinte: ‘Nós estamos fazendo esses Ministérios todos, não existe mesa para ministro.’ Eu disse: ‘Existem as mesas que nós temos aqui na Oca.’ Primeiro o número era suficiente, melhores do que havia no mercado, e todas eram de estilo. Era algo mais próximo do mobiliário tradicional, mas eles viam que estávamos oferecendo um mobiliário brasileiro.”
Uns anos depois, no começo da década de 1970, já no governo militar, Vera e Sergio começaram a ir juntos para Brasília. “Aí a gente chorava. Entrávamos na casa dos diretores do Banco Central, por exemplo, e os móveis eram todos americanos. As casas pareciam aquelas da revista House and Garden, sofás floridos em profusão. Os móveis que Sergio tinha feito estavam todos jogados e empilhados nas garagens. Já eram as mulheres dos militares, já era o regime militar. Por isso é que os estrangeiros compraram tudo aquilo a preço de banana. Tudo de jacarandá. A gente queria morrer.”
Veronica, a arquiteta filha de Sergio, já falecida, comentou certa vez que uma embaixatriz conhecida dela tinha dito que quando chegou a Brasília já havia poucos móveis do Sergio. “Ela disse que cada pessoa que chegava lá trocava, se desfazia ou até carregava uma peça. No tempo dos militares devia ser uma beleza. Devem ter trocado tudo, jogado fora, não sei. O Sergio disse que o jacarandá era lindo. A mesa do chanceler do palácio do Itamaraty até hoje está lá em Brasília e é linda. Atrás da mesa do chanceler tem uma estante também feita por ele. É lindo o gabinete. Todo ele é Sergio. Esses eles conservaram direitinho.”
Croqui da poltrona Candango, criada por Sergio Rodrigues em 1962, para o auditório Dois Candangos na Universidade de Brasília (UNB).
Croqui da poltrona Candango, criada por Sergio Rodrigues em 1962, para o auditório Dois Candangos na Universidade de Brasília (UNB).
Evento de Inauguração do Teatro Dois candangos, na Universidade de Brasília, em 21-04-1962.
Sergio Rodrigues exibindo maquete a Juscelino Kubitschek, então presidente do Brasil, na exposição "Casa individual pré-fabricada" no Museu de Arte Moderna no Rio de Janeiro, em Março de 1960.
Sergio Rodrigues e Oscar Niemeyer na década de 1980.