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Sergio Rodrigues - O Brasil na ponta do lápis

Texto e pequisa: Regina Zappa

O susto com a doença e o desejo da avó

“Sergio, você não tem vocação nenhuma [para padre], melhor sair e cuidar da vida”, disse um amigo de Sergio que era padre.



“Sergio, você não tem vocação nenhuma [para padre], melhor sair e cuidar da vida”, disse um amigo de Sergio que era padre.

Um tempo depois que voltou da Europa, Elsa casou-se com Dadi, apelido de Zepherino Amaro D’Avila Silveira, engenheiro civil gaúcho. Sergio tinha 6 anos. Dadi era um namorado de infância, contraparente dos Mendes de Almeida do sul do país e que Elsa havia namorado quando era garota e ia com a mãe passar férias no sul. “Ele ficou encantado com mamãe, embora fosse um namoro superficial.” Mais tarde, quando Dadi soube que Elsa estava viúva, começou a cortejá-la. Dadi era tão apaixonado que quando Elsa contou que não podia ter mais filhos, ele disse: “Para que eu quero mais se já tenho três?”. Eram os filhos de Elsa, entre eles Sergio. “Dadi foi maravilhoso para os meninos”, conta Vera Beatriz, viúva de Sergio, com quem ele esteve casado por mais de quarenta e um anos, até o fim de sua vida. Elsa gostava de curtir a vida, viajava muito, e a maior responsabilidade na educação dos meninos acabou nas mãos da avó materna Stella.

Logo depois do casamento, a família saiu da casa do tio James e foi para uma vila próxima ao colégio Santo Inácio, em um casarão na rua São Clemente, 254. Amigos de sua avó tinham dois casarões e cederam um deles para a família de Sergio morar. Ficaram lá um período. A avó Stella sempre à frente do cuidado com os meninos. Mas em 1936, aos 9 anos, Sergio teve uma doença séria que o tiraria das brincadeiras e o afetaria de forma permanente. É que um dia começou a dormir e não acordava.

As lembranças de Sergio logo antes de cair doente eram boas. Havia uma festa junina na casa 254, o casarão ao lado do seu, e no colégio Santo Inácio, com muitos risos e barulhos. Mas os estampidos, que ele detestava, fizeram com que se deitasse mais cedo. Tinha medo dos foguetes, até de estrelinhas, e ele foi dormir. Passou a sonhar em cores, com muitos acontecimentos. “Com os olhos abertos como se estivesse acordado, eu olhava extasiado os estampados das cortinas transformados em índios e dragões.” Ele e as irmãs, que dormiam no quarto ao lado, tinham feito um buraco na parede para poderem conversar. (Aliás, é Sergio quem diz: o buraco que tanto aparece em suas criações “começou ali”). Pela manhã, no dia seguinte ao das festas, as irmãs aflitas começaram a chamar a mãe. “Diziam que eu estava maluco, batendo a cabeça na parede, como se fosse epilético.” A partir daí, ele dormiu durante cinco dias, numa espécie de coma.

O caso era tão sério que a avó, muito católica, chegou a chamar um padre para dar extrema-unção, de vela na mão. Os médicos não conseguiam descobrir o que ele tinha. Estava desacordado. Até que um médico deu o diagnóstico: encefalite letárgica. O médico que descobriu havia feito sua tese sobre isso e dizia que a pessoa morria ou ficava louca. Não havia notícia de que se escapava dessa doença. Mas decidiu dar a Sergio um remédio novo e depois de cinco dias ele acordou.

Acordou como se nada tivesse acontecido. “A primeira coisa que mamãe fez foi suspender a escola até o fim do ano. E olha que era junho. Eu adorei, foi o máximo.” Nessa época, a família de Sergio ficava lá e cá. Passava um tempo na casa da amiga da avó, tia Niná, e outra temporada na casa do tio James. “Esse período foi o auge da bagunça”, lembrou Sergio. Mas Vera Beatriz acredita que a doença deixou uma sequela: a dificuldade emocional. É a essa sequela que Vera atribuiu a ingenuidade que sempre o atrapalhou nos negócios e fazia com que não gostasse de falar sobre política, economia, ou outros assuntos desse tipo.

E a vida voltou ao normal. Sergio ficou bom, passou uns meses em grandes brincadeiras em casa e voltou para o Santo Inácio, onde estudava. Sergio tinha feito exame de admissão junto com seu primo Cândido Antonio (Cândido Mendes), que ele considerava “muito instruído”, mas não passou. A avó católica tinha um sonho: queria que Sergio estudasse para ser padre e se tornasse o primeiro papa brasileiro. Ela mandou fazer um anel de jacarandá esculpido com o símbolo dos Mendes de Almeida e disse a ele: “Você vai usar quando receber a bênção.” E Sergio usou. “Eu usei e perdi aquilo no primeiro domingo porque levei à praia para mostrar aos amigos.”

No colégio existia o Aluizianum, o pré-seminário jesuíta. Quem tinha vocação ia para lá. E Sergio foi por recomendação da avó. “No caso quem tinha vocação era a vovó. O padre vivia me repreendendo. Um dia fizemos bagunça demais e o padre tirou nossa bola. ‘Vocês vão ficar sem futebol.’ Eu liguei para vovó e disse: ‘Vai lá na rua Sete de Setembro, na casa Valdemar, e compra uma bola 4. Vem aqui e joga pelo muro.’ Ela fez isso. O padre quando viu a gente jogando bola foi outro escândalo.”

Mas havia outro padre que era amigo de Sergio e falou francamente com ele: “Sergio você não tem vocação nenhuma, melhor sair e cuidar da vida.” Dito e feito. Sergio saiu do pré-seminário com uns 14 anos, mas, continuou no Santo Inácio. 

Ao terminar o científico, Sergio fez CPOR (Centro Preparatório de Oficiais da Reserva – uma opção do serviço militar). Talvez porque tivesse horror a estampido pediu pra trabalhar na artilharia, manuseando o canhão, para ver se perdia o medo. E perdeu. Depois do primeiro tiro de canhão, já não se assustava tanto. Acabado o CPOR, ingressou em um cursinho para fazer exame para a faculdade de Arquitetura. Mas de onde ele tirou essa ideia? Uma das razões era prosaica: Pedro Correia da Rocha, o dono da fazenda que costumava visitar na adolescência, tinha um sobrinho arquiteto chamado Frederico Faro Filho e Sergio fazia incursões ao seu estúdio, que guardava ampliações de perspectivas de casas, projetos e desenhos. Aquilo o entusiasmava. “Lembrei dos desenhos do tio James. Antes eu achava que arquitetura era só fachada de casa.” 

Mas antes havia também aquela história da aviação, o desejo de ser aviador. Outro sobrinho do dono da fazenda, que era quatro ou cinco anos mais velho que Sergio, tinha estudado no Campo dos Afonsos, na Aeronáutica. Às vezes ele não aparecia na fazenda porque estava voando na Aeronáutica. Toda noite se falava dessa história de aviação e Sergio viajava nas asas do piloto. Queria unir a paixão pela aviação com o amor ao desenho. Pensou, então, em desenhar aviões, ser projetista de aviões. “Queria também pilotar, mas queria mais desenhar.” Chegou a fazer exame para a Aeronáutica quando ainda estava no científico, mas não passou. Voltou para o científico, terminou e fez vestibular para Arquitetura. Também não passou, levou pau em matemática. Mas com a interferência da avó e uma segunda chamada, conseguiu entrar para a faculdade de Arquitetura.

Da esquerda para direita, José Raja Gabaglia, Julio Delamare, Cândido Mendes, cardeal D. Sebastião Leme, Sergio Rodrigues e José Carlos Figueiredo, no Colégio Coração Eucarístico, em 1934.

Elsa Fernanda Mendes de Almeida Santos (mãe de Sergio Rodrigues) ao lado de Zepherino Amaro D'Ávila da Silveira (“Dadi”, padrasto de Sergio Rodrigues), no Rio de Janeiro, por volta de 1960.

Sergio Rodrigues desenhando painel à carvão nas paredes de seu quarto no Castelinho da Praia do Flamengo, nº 72 – Rio de Janeiro, em 1947.

Sergio Rodrigues em seu quarto no Castelinho da Praia do Flamengo na década de 40.

Pipoca, cadela de Sergio Rodrigues, no Castelinho da Praia do Flamengo, nº 72 – Rio de Janeiro, na década de 1940.

Da esquerda para direita: D. Stella (avó de Sérgio), Sérgio Rodrigues e D. Elsa (mãe de Sérgio), em 1949 na formatura do CPOR (Centro Preparatório de Oficiais da Reserva) na Igreja da Candelária, Rio de Janeiro.