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Sergio Rodrigues - O Brasil na ponta do lápis

Texto e pequisa: Regina Zappa

A aragem do terreno: uma rápida “pré-história” do design moderno no Brasil

Sergio Rodrigues começou a apresentar seu trabalho em um contexto que já fervilhava com a ideia de modernidade e arriscava os primeiros passos na brasilidade



Sergio Rodrigues começou a apresentar seu trabalho em um contexto que já fervilhava com a ideia de modernidade e arriscava os primeiros passos na brasilidade

Quando Sergio Rodrigues concluiu a faculdade de Arquitetura, em 1952, começavam a soprar no Brasil os ventos de uma nova linguagem modernista que vinham, sobretudo, de uma Europa interessada em “racionalizar” a vida doméstica. A Revolução Industrial vinha mudando corações e mentes durante o século XVIII e assentava as bases de uma vida mais prática e um “fazer” menos artesanal e rebuscado. Com o fim das duas guerras mundiais, a Europa se viu mergulhada em movimentos que reviam a vida perdulária das elites antes dos conflitos e apostavam em uma vida mais racional e econômica.

No Brasil, as classe altas ainda se deslumbravam com os móveis europeus, estofados de veludo e outros tecidos nobres, que escondiam seu desenho interno, como o mobiliário francês, que Sergio chamava de móvel senhorita, “cheio de fricotes”. O designer e escultor Joaquim Tenreiro, criador de emblemáticos móveis brasileiros, falava do estilo “de todos os Louises”, referindo-se ao reis da França. Mas mesmo na Europa, eram ainda esses os móveis desejados.

O movimento racionalista europeu começou, então, a afastar-se desse estilo que marcava o gosto das casas abastadas daquela época. No início dos anos 1910, surgia no design uma corrente com novas propostas que pregavam “a forma que segue a função, e só a função” do objeto.

Quando Sergio começou a se interessar pela criação de móveis nos anos 1950, já vinham surgindo no país tentativas de se fazer o móvel moderno brasileiro. Nos anos 1920, por exemplo, Gregori Warchavchik, arquiteto e designer ucraniano com estudos feitos na Itália, imigrou para o Brasil e fez as primeiras casas modernistas do país. Apoiava a ideia do móvel racionalista, já em voga na Europa, e lançou o primeiro manifesto da arquitetura modernista no Brasil. Trouxe para seus móveis os metais muito usados na linguagem racionalista europeia, mas não absorveu as influências brasileiras ou os materiais encontrados aqui. Por outro lado, se concentrou no desenho de linhas mais puras da linguagem moderna e juntou-se a um grupo que abrigava também Lasar Segal, pintor e escultor lituano que se mudou para o Brasil em 1923, e que também se aventurou no design de móveis.

Warchavchik sonhava com a fabricação de móveis em série da reprodução industrial, mas ainda não era chegado o momento. A sociedade estava acostumada com a referência de outros tempos e lugares, não estava preparada para aceitar os novos móveis modernos, portanto, seu sonho não se tornou realidade em seu tempo. Mesmo assim, eram os primeiros passos na direção de um novo design de móveis, embora ainda não no caminho de um projeto brasileiro. 

As mudanças, no entanto, estavam a caminho. Na passagem do móvel artesanal para o industrial, por volta de 1906, surgiu em Petrópolis a fábrica de móveis Gelli, marca que existe até hoje. Entretanto, para a jornalista brasileira e especialista em design, Adélia Borges, o grande divisor de águas entre o móvel artesanal e o industrial foi a fábrica de móveis Patente, criada em 1910. A Patente fabricava essencialmente móveis populares, embora existissem alguns mais refinados. 

Logo depois, foi inaugurada em Santa Catarina, em 1913, a fábrica de móveis Cimo, pioneira no desenho do produto desmontável e já projetada para a produção industrial em larga escala. Os móveis da Cimo tornaram-se tão requisitados que o departamento do governo federal na época, encarregado de fazer as compras do governo, instituiu as medidas da Cimo como medidas de padrão oficiais, o que deu novo impulso à produção. Repartições públicas, cinemas, escolas usavam os móveis da Cimo e, em 1941, mais de 500 mil poltronas Cimo estavam instaladas em casas de espetáculos pelo país afora. A fábrica tornou-se, então, a maior indústria de móveis da América do Sul.

Paralelamente, um acontecimento na Alemanha reforçaria a onda vanguardista do desenho de móveis em todo o mundo: era criada por Walter Gropius, em abril de 1919, a escola Bauhaus de design, artes plásticas e arquitetura, subsidiada em grande parte pela República de Weimar, que funcionou até 1933, quando foi fechada pelo governo de Hitler por suas orientações de esquerda. A Bauhaus influenciaria um dos maiores arquitetos brasileiros, Oscar Niemeyer, que projetou Brasília seguindo as tendências modernas e funcionalistas da escola bauhausiana.

Nesse ambiente de inovações no cenário internacional, em que a ideia era romper com o enfeite e a noção do embelezamento estilístico, surge o holandês Gerrit Rietveld, que radicaliza e propõe que a construção do móvel seja muito bem explicitada. Ele retira do móvel toda a pele e todas as camadas, deixando-o como se fosse um esqueleto. Com as cores, explicita esses componentes e cria a famosa cadeira Red Blue, em 1932. 

Embalado pelo mesmo espírito despojado, surge Le Corbusier, arquiteto, designer e pintor suíço que viaja para a América do Sul no final dos anos 1920 e declara que “a casa é uma máquina de morar”. Ele seria responsável, junto com o arquiteto brasileiro Lucio Costa, pelo projeto que se tornou o grande marco da arquitetura moderna no Brasil: o prédio do MEC (Ministério da Educação e Cultura) no Rio de Janeiro, que apresentava a arquitetura moderna de feitio brasileiro.

No rastro do movimento racional internacional, aparece Mies van der Rohe, arquiteto alemão naturalizado americano, professor da Bauhaus, seguidor de um estilo que deixou a marca de uma arquitetura racionalista e geométrica, e proclama: “Menos é mais!”. Já na pista há mais tempo, o arquiteto americano Louis Sullivan, considerado o pai do modernismo na arquitetura e “pai dos espigões”, mentor de Frank Lloyd Wright, define, mais uma vez, a direção para onde segue o movimento do design e da arquitetura modernos e que virou o mote da Bauhaus: “A forma segue a função.”

Quase vinte anos depois do fechamento da Bauhaus e para promover os seus princípios foi criada, em 1952, por Max Bill na Alemanha a Escola de Design de Ulm, conhecida também como Escola Superior da Forma, que fechou em 1968, por motivações políticas e financeiras. A escola reunia arquitetos, designers, cineastas, pintores, músicos e cientistas, entre outros, e tinha a pretensão de formar profissionais com sólida base artística e técnica para criarem objetos produzidos em escala industrial, de uso cotidiano ou científico. O modelo de Ulm retomava as relações entre arte e ofícios, arte e indústria, arte e vida cotidiana.

A partir desses “pensadores” da nova estética da arquitetura e do design surge toda uma corrente europeia dos móveis que são criados seguindo a tese da “máxima expressão com o mínimo de elementos”. São os móveis despojados contra os de estilo. Quando Warchavchik fez, em 1928, o projeto da primeira casa modernista brasileira em São Paulo, ele queria criar um tipo de casa racional, confortável, de pura utilidade. Uma boa máquina para se morar, com simplicidade de linhas e compatível com as exigências mecanizadas. Mas ainda não se falava em brasilidade porque o móvel racional independia de tempo e lugar e era uma corrente vanguardista europeia. 

Um exemplo do novo pensamento foi a cadeira Wassily, de Marcel Breuer, arquiteto americano de origem húngara e professor da Bauhaus, que quebrou paradigmas, ao introduzir novos materiais, como o aço tubular, e ao usar formas geométricas despojadas.

Essa ebulição chega ao Brasil. “O movimento modernista brasileiro”, afirma Adélia Borges, “tem uma clara decorrência na arquitetura e no design. Prega a integração da arquitetura, do mobiliário e do paisagismo. Os arquitetos, então, desenhavam não só prédios, mas móveis, luminárias e utensílios domésticos”. Juntos no movimento modernista estavam Warchavchik, Lasar Segal e John Graz, pintor, ilustrador, designer e escultor suíço, que veio para cá e se tornou designer de interior, sendo em boa parte responsável pela introdução do art déco no Brasil. O pintor Flavio de Carvalho, também arquiteto e designer, fazia parte do grupo e dedicou-se durante um tempo ao design de roupas, adotando o mote modernista de “Flavio de Carvalho desveste a moda brasileira da cabeça aos pés”. 

Nesse meio-tempo, Oscar Niemeyer começa a fazer as modernas casas de Cataguazes, em Minas Gerais, e chama Tenreiro para trabalhar com ele. Ao usar de maneira intensa as madeiras brasileiras, Tenreiro dá a largada para a criação do móvel brasileiro. Simultaneamente, nos anos 1940, chega ao Brasil vinda da Itália, a arquiteta Lina Bo Bardi, que estranhou não encontrar aqui móvel moderno para seus projetos arquitetônicos. Passou, então, a criar móveis para seus próprios projetos. 

Como Lina, Zanine Caldas – que além de arquiteto era paisagista, escultor e moveleiro, conhecido como o mestre da madeira – também passou a fazer mobiliário para seus projetos e chegou a abrir uma fábrica de móveis em São Paulo. A produção dos dois foi grande, mas seu design de móveis foi sempre subordinado aos projetos de arquitetura. Suas fábricas de produtos de design duraram pouco tempo.

Sergio Rodrigues começou a apresentar seu trabalho em um contexto que já fervilhava com a ideia de modernidade e arriscava os primeiros passos na brasilidade, com os projetos de Tenreiro. Já com um pano de fundo de industrialização e os novos ares da linguagem modernista, ele se lançava na missão de criar o móvel brasileiro. A arquitetura foi sua terra firme durante algum tempo e dela ele sobrevivia. Também como Lina e Zanine, começou a fazer seu design de móveis à sombra de seus projetos arquitetônicos. Com o tempo, o design acabou conquistando uma autonomia na trajetória de Sergio. Ele começou a criar móveis que não estavam necessariamente vinculados a um projeto de arquitetura.

Sergio e Tenreiro tocavam suas carreiras em paralelo. A diferença é que Sergio produziu o que criou. Abriu uma fábrica e passou a produzir seus produtos em larga escala. A Oca, que ele idealizou e se tornou ícone nos anos 1960, foi uma loja que durou muitos anos. Além dela, existia a Taba, a fábrica da Oca, em larga escala. Finalmente, com Sergio Rodrigues, o design subia nos trilhos brasileiros da invenção.

(Este texto contou com a colaboração de Adélia Borges)

Da esquerda para a direita, Le Corbusier, Sergio Rodrigues, Jayme Mauricio, Carmem Portinho e Harry Laus, no Sítio Santo Antonio da Bica (atual Sítio Roberto Burle Marx), Estrada Roberto Burle Marx, nº 2019 - Barra de Guaratiba, Rio de Janeiro, 1962.

Sergio Rodrigues com Zanine Caldas, no Rio de Janeiro, em Julho de 1968.

Da esquerda para a direita Sergio Rodrigues, Vera Beatriz e Joaquim Tenreiro, Rio de janeiro, na década de 1980.

Da esquerda para direita, Sergio Rodrigues ao lado de seus amigos Zanine Caldas e Sérgio Bernardes, na década de 1990.

Sergio Rodrigues com o amigo, arquiteto e designer Michel Arnoult, em encontro na região Sul do Brasil, na década de 2000.