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Sergio Rodrigues - O Brasil na ponta do lápis

Texto e pequisa: Regina Zappa

Kilin e Xibô

Uma paixão que deu muitas voltas



Uma paixão que deu muitas voltas

Esquilinha era como Sergio chamava Vera Beatriz, o grande amor da sua vida. Desse apelido surgiu a Kilin, uma das mais famosas criações de Sergio, que tratou a mulher pelo apelido a vida inteira. Da sua parte, Vera Beatriz achava graça nos olhos puxados de Sergio e na sua gaiatice. Começou apelidando-o de chinês bobo, que acabou virando Xibô e foi nome de batismo de outra peça importante na trajetória do designer: a cadeira Xibô. A história de Vera Beatriz e Sergio é um capítulo à parte.

Vera Beatriz namorou Sergio quando tinha 13 anos e ele, 16. Namoravam nas festinhas, como faziam os adolescentes. “Era um amor platônico. Ele sempre me dizia: ‘Você casa comigo?’ Namoramos um ano. Durante um ano dançamos em todas as festas”, conta Vera Beatriz. Depois de um tempo de namoro, Vera Beatriz veio a saber que Sergio era sobrinho de Nelson Rodrigues. Sua mãe ficou preocupada da filha namorar um menino de uma família que considerava muito complicada. “Nelson, na época, era um escândalo. A burguesia se levantava durante as peças porque elas falavam coisas que ninguém ousava botar num palco. Quando minha mãe soube dessa história toda não achou graça. Além disso, ela tinha acompanhado pelos jornais a tragédia do assassinato do pai dele.” 

Vera Beatriz era bonita e também começava a fazer muito sucesso entre os meninos. Sem conseguir aguentar a pressão da família, terminou o namoro depois de um ano. Sergio ficou inconsolável. “Ele ficava atrás de mim, me seguia até na igreja. Acordava de madrugada porque o ônibus do Sacre Coeur ia me buscar antes das sete da manhã. Ia para a esquina só para me dar adeus.”

O tempo passou e Vera Beatriz casou-se com o primeiro marido. Ela conta que ele era um homem gentil e bom, mas os dois não tinham afinidade alguma e depois de um filho, Luiz Eduardo, e quatro anos de casamento, Vera Beatriz se separou. Ele era muito desligado do mundo e Vera Beatriz, uma mulher moderna, informada e cheia de vida. O casamento já não vinha bem e Vera Beatriz anunciou o desquite. “Na época era um ato de heroísmo porque ninguém se separava. Meu pai ficou sem falar comigo durante um bom tempo.”

Nessa primeira separação, os pais a mandaram para Curitiba onde o tio Munhoz da Rocha era governador. Combinaram que ele ofereceria a ela um cartório no norte do Paraná se ela desistisse da separação. Ela não desistiu, mas em Curitiba foi passear na biblioteca do tio e acabou esbarrando em Sergio, que nessa época trabalhava para o governo do Paraná. “Ele ficou pálido. Ele tinha acabado de se casar e eu já me separando.” Sergio saiu dali e contou para sua então mulher, Vera Maria, com quem ainda estava casado. A verdade é que a paixão de Sergio por Vera Beatriz nunca tinha acabado. Mais tarde, Vera Beatriz descobriu que Sergio mantinha um caderninho na adolescência em que descrevia todas as festas do tempo do namoro, todos os vestidos que a namorada usou e as músicas dançadas pelos dois.

Pouco depois de viajar a Curitiba, Vera Beatriz casou-se de novo. Teve uma filha, Luciana, e dessa vez ficou dezenove anos casada. Esperou a filha ficar noiva aos 19 anos, foi fazer psicanálise e anunciou que ia se separar. Vera Beatriz já tinha um trabalho em uma distribuidora que vendia roupa de cama e mesa e lingerie e ganhava um bom dinheiro.

Depois que se separou a segunda vez, soube que Sergio estava separado havia um ano. Sergio já tinha os quatro filhos: Ângela, Adriana, Veronica e Roberto. As amigas diziam a ela que ele ainda era apaixonado. Fizeram um jantar e convidaram os dois. Quando ele encontrou Vera Beatriz, quis logo se casar. Ela não queria mais essa história de casamento, tinha passado por duas uniões infelizes e queria aproveitar a vida. “Ele insistiu muito e eu aceitei me encontrar com ele. Fui em seu apartamento. Ele botou as músicas da nossa época para me envolver. E eu dizendo que não queria mais casar. Aí Sergio foi pegar um sorvete. Sorvete de avelã, lembro bem.” Quando voltou, alguma coisa dentro de Vera Beatriz havia mudado. E o casamento com Sergio passou a ser uma possibilidade real.

Começaram a namorar e em pouco tempo estavam morando juntos. “Fui morar com ele no Leblon. Eu saí de um duplex imenso e fui morar num apartamentinho mínimo sem armários.” Casaram-se no civil, em 1973, e só alguns anos depois, em 1992, quando os dois já estavam viúvos dos primeiros casamentos, casaram-se na igreja.

O casamento na igreja era um sonho antigo de Sergio. Afinal, ele havia sido educado por jesuítas no Colégio Santo Inácio. Levou um tempo para se casarem no religioso. Sergio sempre triste porque achava que tinha que casar na igreja. “Um dia, Sergio acordou aos prantos. Disse que tinha sonhado que estava numa igreja que não era uma igreja. Estava diante de um padre que não era um padre, todo de branco. Uma luz maravilhosa. Era um sonho espiritual. Os dois de branco e amigos de branco. Esse padre deu uma absolvição e ‘eu fui perdoado, Kilinha’. Ele queria muito casar na igreja.”

Como os dois tinham ficado viúvos, estavam livres para isso. Sergio procurou dom Luciano Mendes, seu primo. Vera Beatriz já não era católica, mas espiritualista. E o padrinho que Sergio queria era judeu. Dom Luciano pensou, pensou e disse: Jesus também não era judeu? E casou os dois. A cerimônia aconteceu na casa deles em Petrópolis em uma capelinha construída especialmente para a ocasião. Tempos depois, ela foi transformada em estúdio.

Sergio e Vera Beatriz alugaram uma casa na rua Conde de Irajá, em Botafogo, onde fizeram uma espécie de loja e escritório. Ainda viviam em Ipanema, mas se cansaram de fazer o percurso de Ipanema para Botafogo. Então, se mudaram para a parte superior da casa. Depois conseguiram comprar a casa. Até que foram para a rua São Clemente, próximo ao trabalho, para terem um pouco mais de sossego.

A imensa capacidade criativa de Sergio Rodrigues não foi acompanhada de uma habilidade no trato dos negócios. Mas Vera Beatriz acabou assumindo a tarefa administrativa da vida profissional de Sergio. E foi a sorte. Ela foi para o escritório e de lá nunca mais saiu.

Vera Beatriz, aos 15 anos de idade, na época primeira namorada de Sergio, no Rio de Janeiro, em 1945.

Sergio Rodrigues com Vera Beatriz no seu estúdio de criação, Botafogo - Rio de Janeiro, 1974.

Sergio Rodrigues e Vera Beatriz no casamento de Juarez Machado e Eliane, na década de 1970.

Sergio Rodrigues e sua esposa Vera Beatriz em viagem a Campos do Jordão, São Paulo, em Outubro de 1973.