A Kilin e a Diz, duas obras-primas
A Kilin e a Diz, duas obras-primas
O brilho da poltrona Mole foi tanto que ofuscou o reconhecimento de outras impactantes criações com incríveis soluções de design. A Kilin, de 1973, e a Diz, de 2001, são cadeiras consideradas obras-primas por especialistas.
A poltrona Kilin, batizada em homenagem à Vera Beatriz, que Sergio chamava carinhosamente de “esquilinha”, é a peça favorita de muita gente. De desenho arrojado, as formas e os encaixes da madeira nobre e bem modelada, o couro flutuando no ar e feito de forma a moldar e abraçar o corpo, a Kilin é uma das peças de Sergio mais copiadas. Também foi uma das mais exportadas para os países nórdicos nos anos 1970. A Kilin nasceu da vontade de Sergio de fazer uma cadeira mais econômica, mais simples, que seus amigos pudessem comprar.
“Os modelos da Oca eram caros, não porque eu quisesse, mas porque o material era caro, a construção era cara, eles eram feitos artesanalmente e os operários especializados que faziam o projeto eram caros. Eu ficava preocupado em não poder atender amigos que não podiam comprar aquelas peças. Então criei uma firma chamada Meia-Pataca, ao lado da Oca. Eram móveis com desenhos meus, mas produzidos com madeiras mais simples e semi-seriados. Aí havia a possibilidade de baixar o preço. A Kilin nasceu aí. Muita gente comprava a casa principal na Oca e na Meia-Pataca comprava para os filhos ou para a casa de campo.”
Mas Sergio queria também na Oca uma peça que fosse mais em conta. Imaginou, então, para a Kilin, uma estrutura de madeira com duas laterais e duas travessas, encosto e assento de couro numa peça única, bem mais em conta. A estrutura era feita com travessas fixadas nas laterais com cunhas. Sergio já tinha deixado a Oca quando Freddy Van Camp, o novo designer da loja, pediu que fosse feita a fixação das travessas com parafusos Allen, o que tornaria sua fabricação mais simples, e elas passaram a ser embaladas em caixas especiais de papelão e exportadas.
A Diz e a Chifruda
A Diz, criada toda em madeira, consegue ser extremamente confortável sem ter estofado algum. É uma das peças de Sergio mais disputadas. Mas a Diz na concepção do projeto é um pouco diferente da que está no mercado. Sergio fez as conchas do assento e do encosto cada uma com 24 réguas de madeira maciça e seção trapezoidal para formar a curvatura. A colagem é feita com auxílio de uma forma e a peça depois é usinada. Cada régua tem o formato de uma bengalinha com uma curva na extremidade para formar o caimento das extremidades do assento e do encosto. Ele concebeu a peça assim. Hoje, assento e encosto da Diz são feitos com compensado moldado numa grande prensa de alumínio e já sai naquele formato no processo de fabricação industrial. A original era mais sofisticada.
Para Adélia Borges, a Diz é a síntese da trajetória de Sergio. “É incrível como conseguiu um grau de conforto fenomenal em uma cadeira usando apenas a madeira. É o resultado de uma maestria e síntese do que aprendeu todos esses anos sobre a correta inclinação, o apoio do braço etc. A Diz inova e como ele diz é o conforto duro em oposição à Mole.”
Fernando Mendes relata que quando Sergio fez a primeira poltrona Diz os pés eram mais gordinhos do que as travessas. “Era mais elaborada e artesanal. A de hoje, não. As laterais juntam os pés e estes formam um plano único. Você cola aquilo tudo, passa na tupia, faz o perfil, o feitio do contorno. Em toda a obra dele se percebe essa possibilidade de simplificar o projeto para atender às exigências da industrialização. As peças têm sempre graça e são criativas. Não importa se ele tem à disposição um super marceneiro ou uma fábrica simples. Na Cuiabá de construção muito simples, ou na Oscar, de fabricação bem mais elaborada, que já têm uma marcenaria mais requintada, pode-se notar que nenhuma delas perde em expressão ou deixa de ter aquela cara de mobiliário Sergio Rodrigues.” A poltrona Oscar – homenagem a Oscar Niemeyer – com encosto e assento de palha, pernas e braços de madeira, foi encomendada pelo Jockey Club Brasileiro e recusada pelo cliente por ser “moderna demais”.
A Chifruda, que Sergio criou em 1962 para a mostra na Oca “O Móvel como Objeto de Arte”, foi, segundo ele próprio, uma brincadeira “como demonstração da capacidade técnica do couro e da madeira”. Para ele, ela “mostrava um artesanato de couro muito bom”. Na época, a Chifruda foi um escândalo. “Criação de verdade, com amor, é arte”, garantia ele.
A Xibô
Já a poltrona Xibô, apelido dado a Sergio por Vera Beatriz que assim o chamava na intimidade, é um projeto que tinha ficado parado porque faltava resolver a parte de cima. “Sempre teve um entrave nesse projeto”, disse Fernando, que ajudou Sergio, adiantando alguns detalhes numa perspectiva da Xibô. “Aí Sergio fez um tracinho, definindo o contorno da cabeceira e, finalmente, o projeto e estava resolvido. A mão livre, um traço singelo que deu a resposta que ele passou vinte anos procurando”, comentou Fernando. “Fiz o protótipo todo, mas Sergio ainda quis botar os tradicionais furos de suas peças. Íamos fazer a cabeceira de madeira, mas, com a curvatura muito acentuada, a peça ficaria fraca nas extremidades. Fomos desenvolvendo, fizemos a peça de compensado moldado. Sergio não ficou feliz com a aparência das bordas do compensado. Resolvemos, então, revestir o compensado de couro, porém mantendo os fuos nas extremidades. Quem nos salvou foi o capoteiro que fez o revestimento em couro, usando a mesma técnica de costura que se usa em volantes de carro, para arrematar os furos da cabeceira. Com esse bate-bola, fechamos o projeto da Xibô.”
A Tonico
A poltrona Tonico, criada no mesmo período da Chifruda, era um móvel pensado para ter o mesmo conforto de uma Mole, mas de fabricação mais simples e que poderia ser usada em moradia de estudantes. Foram vendidas poltronas Tonico, sobretudo, para pessoas que tinham casas de campo, casas de férias, casas de praia. “Não era unicamente para atender pessoas com poucas possibilidades financeiras, mas com simplicidade e o máximo de conforto que era possível com aqueles desenhos. Eu dei esse nome Tonico para homenagear o meu cunhado. Ele se apaixonou pela cadeira. Era uma pessoa que não tinha o mínimo bom gosto. E ele sentou na cadeira e disse: ‘Não quero outra coisa, só isso daqui, isso daqui é bonito.’ Quer dizer, já começou a achar a cadeira bonita, a cadeira com qualidade estética, e achou boa e confortável. Então dei o seu nome: Tonico. Praticamente, os nomes estão sempre ligados a coisas relativas ao trabalho, ao cliente.”
A Gio e a Vronka
Sergio fez a Gio em homenagem ao arquiteto italiano Gio Ponti, que alguns antes havia publicado uma matéria assinada por ele na célebre revista Domus sobre os móveis de Sergio. Fez em 1958 e, sempre com seu humor afiado, achou que os estudantes passariam a respeitá-lo “um pouco mais” porque Gio Ponti era um arquiteto importante. Depois, Sergio criou a Vronka, que era uma reinterpretação da Gio.
“Eu estava com aquilo na cabeça. Queria fazer uma cadeira que pudesse ser utilizada por uns garotos na época da contracultura. A poltrona tinha um assento que praticamente não era um assento em si. Era uma peça mais larga que permitia ficar em pose de jovem, ou seja, com as pernas cruzadas em cima da poltrona. Ela tem uns pinos do lado que permitem o movimento da concha. É a primeira peça que aparece no meu mobiliário com forração, como um revestimento. E aí eu achei curioso porque você olhando a peça pronta dá a ideia de ser ultracomplexa, difícil de fazer, mas é de uma simplicidade enorme. Foi influência dos móveis que eu tinha na minha casa, com puxadores clássicos. Havia uma peça na Gio que saía e entrava nesses furos da concha que permitia que a pessoa ficasse em outras posições. E a almofada fixa para você apoiar a cabeça e regular.”
No desenho já imaginava a fabricação
A proximidade de Sergio com a fabricação de seus móveis é marcante na sua trajetória. Sergio nunca foi marceneiro, mas teve várias fábricas e conhecia bem as máquinas. Quando desenhava seus projetos já podia imaginar como aquele móvel seria fabricado. “Nunca vi Sergio cometer erros nesse sentido em seus projetos”, garante o designer Fernando Mendes, que trabalhou com Sergio muitos anos e é um de seus herdeiros profissionais.
“Pude acompanhar a evolução do olhar de Sergio quando ele revisita seus projetos. Já fez isso com muitas peças, vai depurando seu trabalho”, continua Fernando. “Fez isso com a Diz, com a Mole, com o Mocho. Depois de um tempo seu olhar sobre a peça amadurece e ele se afasta do momento da criação. Mas na hora da produção, há também a interpretação de quem vai fabricar. Isso pode ser uma evolução, mas pode ser também uma involução. Às vezes o trabalho está nas mãos do mestre marceneiro que tem mais ou menos sensibilidade para interpretar o desenho. Sergio nunca foi tão severo assim de brigar pelos projetos deles, de exigir que fossem igualzinhos ao que desenhou. Então, algumas vezes não ficava exatamente do jeito que ele queria. Eu procuro ser sempre fiel ao projeto.”
A mesa Burton
A observação e o fascínio por objetos que sempre estiveram em sua vida podem ter levado Sergio a desenvolver essa intimidade com a fabricação de seus produtos. Em entrevista a Afonso Luz, em julho de 2012, Sergio falou das consequências disso na sua criação, ao descrever seus móveis: “Eu tinha uma paixão por aviação e por náutica. Gostava de barco à vela, de iate. E gostava também de aviação, principalmente de aviação da Primeira Grande Guerra, que você vê toda a estrutura, que é praticamente aparente e com perfis especiais aerodinâmicos. Comecei a fazer certos móveis com aquelas características. Foi assim que fiz, por exemplo, a mesa Burton. Ela começou a ser feita ainda em 1957. E era feita já com travessas com aquelas seções ovaladas ou aerodinâmicas. Os pés eram como aqueles suportes de asas de avião, de biplano, também com a seção adequada. E isso eu achava maravilhoso. E para completar, já que estávamos fazendo os pés com pontos pequenos encostados no tampo da mesa, para equilibrar tinha que ter algum tirante de metal. Então tinha um tirante também para estabilizar aquilo. Uma mesa que eu gostei muito. E que foi muito apreciada logo no primeiro dia em que a coloquei na loja [na Oca].” A mesa Burton foi estruturada em madeira maciça, com tampo folheado de cabeço maciço e detalhes em latão polido.
Poltrona Leve Kilin criada por Sergio Rodrigues em 1973, estruturada em madeira de lei maciça, encosto em peça única de couro.
Poltrona Diz criada por Sergio Rodrigues em 2001, estruturada em madeira de lei maciça com assento e encosto em compensado.
Poltrona Leve Cuiabá criada por Sergio Rodrigues em 1985, estruturada em madeira de lei maciça, linha para hotelaria ou ambientes informais.
Poltrona Leve Oscar criada por Sergio Rodrigues em 1956, estruturada em madeira de lei maciça.
Poltrona Tonico criada por Sergio Rodrigues em 1963 para a linha Meia Pataca, estruturada em madeira de lei maciça.
Poltrona Gio criada por Sergio Rodrigues em 1958, estruturada em madeira de lei, revestida em tecido e estofada em espuma de poliuretano.
Poltrona Vronka criada por Sergio Rodrigues em 1962, com pés e braços em madeira de lei maciça.
Mesa Burton criada por Sergio Rodrigues em 1958, estruturada em madeira de lei maciça.