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Sergio Rodrigues - O Brasil na ponta do lápis

Texto e pequisa: Regina Zappa

Algo além da arquitetura

Procurava algum porto de onde pudesse navegar e soltar seus navios. Com o tempo entendeu que buscava um curso especializado em arquitetura de interiores.



Procurava algum porto de onde pudesse navegar e soltar seus navios. Com o tempo entendeu que buscava um curso especializado em arquitetura de interiores.

A Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade do Brasil funcionava ainda, pelo último ano, no prédio da Escola Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro. Sergio achava tudo muito simpático na faculdade e disse que foi um período “muito agradável” em sua vida. A única pedrinha que incomodava era a matemática. Não conseguia “funcionar” direito na matéria e se valia da compreensão do celebrado professor de matemática Júlio César de Melo e Sousa, conhecido pelo heterônimo de Malba Tahan, que era como assinava seus livros, entre eles o famoso O homem que calculava. Segundo Sergio, Malba Tahan deixava que ele passasse raspando em Matemática todos os anos.

Com o tempo, Sergio foi tomando gosto pela arquitetura. Gostava muito de um professor que tinha grande conhecimento de história da arte, e Sergio se interessava bastante pelo assunto. Mas procurava algum porto de onde pudesse navegar e soltar seus navios. Com o tempo entendeu que buscava um curso especializado em arquitetura de interiores. Estudava a parte inicial da arquitetura e queria se aprofundar na parte de decoração, de estilos de todas as épocas.

Portanto, seu grande interesse naquele momento era por decoração de interiores. Na verdade, ele sempre se interessou por isso, desde que descobriu o admirável mundo da oficina do tio James, quando era garoto e morava no 72, como chamava a casa do tio. Lá, todos os móveis eram europeus e Sergio achava aquilo muito interessante: luminárias, poltronas, cadeiras, mesas. Na oficina, que ficava nos fundos do quintal, tio James consertava móveis. Sergio prestava atenção nos encaixes e fazia seus brinquedos de madeira usando as técnicas de marcenaria que ia aprendendo com os marceneiros do tio. Gostava também de fazer arranjos. 

Sua tia Zita, mulher do tio Péricles, pedia sempre que a ajudasse nos arranjos de flores. “Puxa, como você tem jeito!”, dizia ela. E ele ficava entusiasmado. 

Sergio descobriu, então, que o estudo de Interiores fazia parte do currículo da faculdade. Porém, era muito pouco explícito. “Não era uma coisa completa e eu estava louco para ter uma coisa completa.” O dom e o interesse o levaram, então, a procurar, quando já estava no terceiro ano da faculdade, um livro ou outra escola que ensinasse e aprofundasse a questão de Interiores que tanto o fascinava. Não era tarefa fácil. Chegou a visitar a Singer Decorações, mas quando chegou lá descobriu que havia apenas um grupo de mulheres trabalhando com máquinas de costura. Singer, é claro. Ficou um dia assistindo aquilo, pensou que podia ter explicações sobre estilos e arranjos, mas viu que não era nada do que queria e foi embora.

Continuou sua busca e pouco depois viu um anúncio: “Decorações do Lar, professor Louis Earl James.” Seria outro James em sua vida. Este, um jamaicano que havia estudado nos Estados Unidos e voltado com muitos cursos na bagagem. Cursos de Interiores: modelos de móveis, estilos, arranjos. Fazia também decoração para clientes. Ele dava aulas em uma sala na avenida Churchill, no Centro do Rio, onde só havia alunas do sexo feminino. “Ele mostrava tecidos que trazia dos Estados Unidos e as mulheres ficavam loucas. Só se interessavam por aquilo. Mas ele logo percebeu que eu estava realmente interessado nas aulas.” 

Um dia o professor comentou com Sergio que ele próprio só sabia fazer ambiente de estilo. “Não sei fazer nada moderno, mas você faz moderno na faculdade”, disse James a Sergio. Disse isso e o convidou para ser seu assistente e ajudá-lo com o conceito de moderno. Sergio aceitou de bom grado. O trabalho incluía viagens a São Paulo e tarefas no Rio de Janeiro. Sergio gostava daquilo, que ia tocando junto com os estudos. Chegou a criar duas ou três peças durante seu curso.

Nessa mesma época, conheceu na faculdade o professor David Azambuja, catedrático de Composição Decorativa. Entrou no seu curso e aprofundou-se na matéria. Seu interesse era tão grande que Azambuja o convidou para ser seu auxiliar de ensino no curso. Assim, Sergio fazia o curso de Azambuja na faculdade e ao mesmo tempo o do James: “Tirava uma média dos dois e me aprofundava na matéria.” Até o final da faculdade foi assim.

A arquitetura corria em paralelo. Sergio se sentia frustrado ao ver quase todos os colegas fazendo estágio em escritórios de arquitetura e ele não conseguir nada. Andava para todo lado com plantas, projetos e desenhos debaixo do braço na esperança de encontrar um lugar para “praticar, ver, sentir ambientes que soubessem a arquitetura ou a criação”. (Revista Casa e Jardim, janeiro 1985). Decidiu, então, alugar com um grupo de amigos, uma sala onde cada um levaria apenas seu material. Doce ilusão. Nada aconteceu.

Mas a resposta que queria viria logo depois. Faltava pouco para Sergio concluir a faculdade, quando o professor Azambuja, paranaense e bem-relacionado, foi contratado por Bento Munhoz da Rocha, então governador do Paraná, para criar o Centro Cívico de Curitiba, uma espécie de mini Brasília, com palácio de governo, prédios das secretarias de estado, palácio da Justiça, e tudo o mais. Azambuja não teve dúvidas. Chamou Sergio para participar do trabalho. Foram também convocados Olavo Redig de Campos e Flavio Regis do Nascimento.

Sergio topou, claro, e pensou que sobraria para ele um trabalho como auxiliar no projeto. Mas não foi bem assim. Sergio não imaginava que ia fazer arquitetura e ficar com a responsabilidade de criação, mas cada arquiteto recebeu uma missão. Azambuja distribuiu um palácio para cada um. Quando foram assinar o contrato, o governador olhou para Sergio no meio daqueles arquitetos experientes e mais velhos e perguntou: “E esse garoto aí?”. O professor respondeu: “Não é garoto não, está fazendo as secretarias.” Sergio levou um susto. As secretarias? “Eu era um garoto, quase um papagaio de pirata. Ainda não tinha feito a prova final da faculdade. Mas fui.” 

Ficou estabelecido que os escritórios seriam na própria sede onde o Centro Cívico seria construído. Sergio teria seus ajudantes e participaria do projeto em igualdade de condições com arquitetos celebrados como Olavo Redig de Campos, Flavio Regis do Nascimento e David Azambuja. 

A ele caberia projetar o palácio das Secretarias, um prédio de 33 andares, e a cúpula da Recebedoria e Pagadoria do Estado, cujo cálculo do engenheiro Paulo Fragoso faria dela uma das mais ousadas “cascas de concreto do mundo”.

Mas apesar da responsabilidade e de receber uma tarefa de gente grande, Sergio ia ganhar a metade do salário dos outros. Porque “era garoto”. Eles ganhavam 40 mil e ele, 20. Na época, o comum era que um arquiteto ganhasse entre 5 e 10 mil. Apesar de pensar que Azambuja ia “ficar com um dinheirão”, Sergio aceitou e pensou: “Seja o que Deus quiser.” 

Voltou para o Rio e fez a prova para a conclusão da faculdade. Preparava-se para casar com sua namorada Vera Maria Serpa Campos porque começava a ter ideias. Se ia ganhar 20 mil e o trabalho ia acabar um dia, era melhor casar-se logo com sua noiva, que tinha 17 anos. Foi quando, na véspera do casamento, Azambuja apareceu e trouxe um pacote de dinheiro. “Está aqui todo o dinheiro que economizei para você.” “Ele achou que eu ia fazer bobagem com o dinheiro e guardou para mim a outra metade. Era um dinheirão.” A “poupança” que ele desconhecia ajudou a concretizar o casamento.

Sergio Rodrigues aos 22 anos de idade, no navio Lloyde Brasileiro, em 02-01-1949.

Convite de formatura de Sergio Rodrigues da Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade do Brasil (atual Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro - FAU/UFRJ), Rio de Janeiro, em 1951.

Convite de formatura do curso de arquitetura da Universidade do Brasil (atual Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ) em 1951, contendo juramento assinado por Sergio Rodrigues.

Cerimônia religiosa do primeiro casamento de Sergio Rodrigues com Vera Maria Serpa Campos em 1952.