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Sergio Rodrigues - O Brasil na ponta do lápis

Texto e pequisa: Regina Zappa

O Brasil na ponta do lápis

Sergio quebrou paradigmas ao inventar uma linguagem própria em busca da identidade brasileira.



Sergio quebrou paradigmas ao inventar uma linguagem própria em busca da identidade brasileira

Sergio Rodrigues nos deixou em setembro de 2014, quando revisitava sua vida e sua trajetória. Sempre com humor e precisão, narrou boa parte da sua infância e adolescência, dos tempos de faculdade e da abertura da OCA, loja que criou e que inaugurou uma nova fase na produção do móvel brasileiro. Sergio é um desses brasileiros que, quando se vão, deixam um grande vazio na vida do país. É um ícone, não apenas do design e da arquitetura, mas da cultura brasileira. A busca deliberada e incessante do móvel moderno brasileiro foi uma das grandes contribuições que deu à história da criatividade no Brasil. A Enciclopédia Delta Larousse o define como “o criador do móvel brasileiro”.

Nascido em 1927, no Rio de Janeiro, formou-se arquiteto em 1952 e saiu em “busca frenética”, como ele mesmo disse, de um desenho que pudesse representar o espírito “de nossa gente”. Na arquitetura, seus projetos eram feitos para que “a vida acontecesse lá dentro”. Sergio quebrou paradigmas ao inventar uma linguagem própria em busca da identidade brasileira e integrou de forma harmoniosa as três áreas em que militou: a arquitetura, o design e o desenho.

Suas criações surgiram na época em que o Brasil investia em uma nova capital federal e os brasileiros respiravam uma atmosfera de invenção e de brasilidade nas artes plásticas, na música – com a bossa nova –, e na arquitetura, com a construção de Brasília. Sergio pressentiu que faltava à arquitetura moderna brasileira móveis que acompanhassem essa contemporaneidade. As criações de Sergio no sentido de fazer um móvel moderno, confortável e próprio para o clima tropical brasileiro, abusando da madeira e do couro, em pouco tempo o levaram à nova capital: seus móveis foram encomendados em grande escala e levados para Brasília. 

Exímio desenhista, talento que herdou do pai Roberto Rodrigues, Sergio colecionava não apenas desenhos dos seus projetos, mas também bem-humoradas ilustrações de seus móveis, de cenas cotidianas e de si mesmo. As palavras do designer Fernando Mendes de Almeida sobre seu mestre, amigo e primo, ressaltam a importância do criador: “A dimensão de Sergio Rodrigues como artista e figura pública se eterniza e se funde com a nossa história de vida e de nação. Poucos artistas brasileiros defenderam por tanto tempo e com tanta determinação a nossa cultura, o nosso jeito de viver, a nossa cara. Poucos designers tiveram uma vida produtiva tão extensa.” 

Para a jornalista e especialista em design Adélia Borges, autora do livro Sergio Rodrigues, da coleção Arquitetura e Design da Editora Viana & Mosley, a nacionalidade define Sergio. “Ele se apresenta com uma visão muito mais pessoal que vem da nossa tradição ibérica dos móveis mais robustos e pesados. Isso, enquanto Joaquim Tenreiro dizia que o móvel brasileiro deveria ser formalmente leve. Esse é o diferencial de Sergio.”

Ao adotar uma linguagem brasileira, Sergio buscou inspiração também na valorização dos materiais brasileiros, sobretudo a madeira e o couro. Arquiteto, designer de produto, designer de interiores, cenógrafo, ambientador, decorador e palestrante – em toda a sua multiplicidade, Sergio, além de sua brasilidade explícita, impregnou suas criações do espírito carioca, desde uma época em que a cidade do Rio de Janeiro fervia com a modernização, e o país se voltava para a busca da sua identidade nacional, sobretudo nas artes.

A contribuição de Sergio à gestação do móvel moderno verdadeiramente brasileiro é inegável. Obstinado, ele nunca parou de criar e dedicou sua energia criativa ao design durante toda a vida. Sempre esteve em “permanente estado de criatividade e produção, a despeito das várias diversidades que foi enfrentando ao longo do caminho”, diz o artigo dedicado a ele publicado no portal da Casa Museu do Objeto Brasileiro.

Em pouco mais de meio século de estrada, Sergio chegou a criar cerca de 1.200 diferentes modelos de móveis. “Seu móvel parte das nossas mais profundas raízes culturais, mas não se limita a elas. Ele construiu uma linguagem muito particular, em que recria o móvel robusto da tradição ibérica, mas dentro de uma sintaxe moderna. Além disso, foi fundamental para ajudar a valorizar o design de interiores e, com isso, levar o design ao âmbito da cultura”, diz o artigo.

E ainda: “Sergio soube vencer as dificuldades com persistência, capacidade de trabalho, obstinação, energia e com seu ilimitado talento. Ele foi um desbravador não só do design no Brasil, mas também do design do Brasil. Um design que acredita nos valores próprios do país e que busca ser a expressão, na forma, desses valores.”

Adélia Borges, para quem o legado de Sergio é superlativo, diz que “é um privilégio ter uma pessoa do porte dele no cenário do design brasileiro. Ele transcende sua área de atuação e passa a ser significativo para a sociedade em geral.”

Fernando Mendes de Almeida acredita que outro grande legado de Sergio é a mensagem que deixou através do exemplo da própria vida e de toda a sua trajetória profissional. “A grande lição de vida que ele nos deixa é a de sempre ter feito o que gostava e o que queria, com entusiasmo, coragem e ousadia. É como se ele nos dissesse sempre: faça com amor, com paixão, se entregue àquilo que está fazendo. Admiro muito seu vigor e sua alegria.” 

O lugar de Sergio nesse cenário é único. Sua brasilidade sempre esteve na sua capacidade de absorver a vida ao seu redor e na observação do mundo que habitava e do qual fazia parte integralmente. Nada melhor para entender essa paixão pelas coisas brasileiras do que o trecho de uma entrevista que deu, em 1985, para a revista Casa e Jardim e que foi republicada em setembro de 2014, logo após sua morte:

Ele disse que para criar o móvel brasileiro basta simplesmente imaginar algumas cenas:

“Aquele encanto de fim de tarde em varanda de fazenda, depois de aguaceiro de verão, com cheiro de terra úmida, manga madura, certo toque de curral, com uma xícara de cafezinho fresco e broinhas de milho quentinhas.
ou
O amanhecer em praia de areia branca, o mar calmo, cenário com o horizonte bem marcado de primavera, onde se mesclam a brisa fresca e a maresia.
ou
Noite fria na serra, penumbra só perturbada pela agitação do fogo na lareira que queima nó de pinho, certa aragem de lavanda, mofo, um cachimbo com bom fumo, talvez uma sopinha de cebolas.
ou
Quem sabe um chá das cinco, ao lado de pequeno e bem cuidado pátio interno, piso pé de moleque, coberto de vasinhos de plantas e flores campestres, só pérgola de madeira escura de onde pendem xaxins com samambaias e trapoerabas.”

É, de fato, o design na cabeça e o Brasil na ponta do lápis. O Brasil que ele guardava com fervor no coração.

Sergio Rodrigues aos 20 anos de idade, realizando desenho técnico ao lado de sua cadela Pipoca, no Castelinho na Praia do Flamengo, nº 72 – Rio de Janeiro, no ano de 1947.

Sergio Rodrigues aos 23 anos de idade, período que cursava a Faculdade Nacional de Arquitetura da Universidade do Brasil (atual Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro - FAU/UFRJ), Rio de Janeiro, 1950.

Sergio Rodrigues aos 39 anos, em seu escritório na loja Oca, situado à rua Jangadeiros n° 14 - loja c, Ipanema - Rio de Janeiro, em 1966.

Sergio Rodrigues com aproximadamente 43 anos de idade, em seu escritório situado à rua n° 14 - loja c, Ipanema - Rio de Janeiro, no início da década de 1970.

Sergio Rodrigues em seu estúdio na Xikilin, casa projetada através do Sistema SR2 de arquitetura industrializada em madeira, Rocio - Petrópolis, 1983.

Sergio Rodrigues em seu estúdio de criação em Botafogo, Rio de Janeiro, na década de 1990.