“O espírito da floresta permanece quando a madeira é tratada com amor.” (Sergio Rodrigues)
“O espírito da floresta permanece quando a madeira é tratada com amor.” (Sergio Rodrigues)
Quando começou a desenhar móveis, Sergio saiu em busca frenética de um desenho que pudesse representar o espírito “de nossa gente”. Para isso, mergulhou em um terreno pouco explorado em que “a madeira, nossa matéria-prima, o couro, a palhinha, os tecidos grossos, tivessem projeção primordial”, como ele disse. “Eles não sabiam, mas ao projetar com esses materiais, estava dando um golpe mortal no móvel pé de palito, e ao usar o jacarandá o tiro de misericórdia no estilo pau-marfim”, disse Sergio, certa vez, numa entrevista à revista Casa e Jardim.
Sergio lançou-se, então, na busca de novos projetos e materiais. Auxiliado pelo que chamou de “grande contribuição da tecnologia”, que apresentava novos equipamentos e maquinarias e pelo “aparecimento de uma gama infinita de materiais”, Sergio partiu para lançar as sementes de seu trabalho na Oca e, depois, na Meia-Pataca. Claro que a paixão pela madeira começou quando ele era ainda bem pequeno e via os operários da casa de seu tio James usarem a madeira para fazer as encomendas do tio.
Como disse certa vez o arquiteto e urbanista Lucio Costa, Sergio conseguiu “sobrepor à produção moderna elementos do mobiliário das casas brasileiras de nossos antepassados”. O uso da madeira e da palhinha no trabalho de Sergio reforçam essa tese. Ele trabalhou bem com esses dois materiais, criando novas formas de assentos que se tornaram clássicos, como a Poltrona Oscar, em homenagem ao Oscar Niemeyer, de 1956: madeira maciça, originalmente jacarandá, com encosto e assento de palhinha. Para homenagear Lucio Costa, Sergio fez a Cadeira Lucio, também de madeira com assento em palhinha.
Num primeiro momento e durante um bom tempo, Sergio elegeu o jacarandá, madeira nobre, resistente e fácil de trabalhar, como a sua preferida. Mas o uso indiscriminado dessa espécie e o contrabando em toras para o exterior levaram a seu esgotamento, e a partir dos anos 1980, ele passou a usar madeiras como a imbuia, o pau-marfim e o frejó, entre outras. Mais tarde ele passou a usar o eucalipto e o tauari. A palhinha e o couro – materiais cuja tradição remonta ao móvel colonial brasileiro – entravam como coadjuvantes importantes em sua criação, e somente em algumas poucas peças seu uso chegava a sobrepor-se ao da madeira.
“Os móveis considerados móveis formais eram de jacarandá porque a própria madeira dava uma dignidade para o produto. Mas para um móvel mais econômico, produzido em maior escala, as peças eram feitas em madeiras que tinham alguma coisa do jacarandá ou eram também mascarados de jacarandá, quer dizer, envernizados como jacarandá, para ter aquela qualidade. Eu comecei a usar justamente o jacarandá para ter essa qualidade, imaginando isso. Os móveis que eram produzidos em palácios aqui no Brasil e em ambientes mais formais eram em jacarandá. Então passei a adotar esse material para valorizar também o design.”
Tempos depois de ter usado o jacarandá fortemente em suas criações, Sergio revelou ter se sentido culpado por ter usado essa nobre madeira de forma tão abrangente: “O jacarandá era uma madeira que se encontrava com facilidade, no começo. Depois ele começou a ser mais e mais difícil de se utilizar. Eu me acho um dos assassinos, um dos grandes consumidores do jacarandá.” Sua filha Veronica dizia que, na verdade, ele eternizou o jacarandá. Apesar de sua mea culpa, Sergio tinha uma convicção em relação ao seu material de trabalho. Certa vez, declarou: “O espírito da floresta permanece quando a madeira é tratada com amor.”
Na entrevista que deu ao Afonso Luz, Sergio comentou o uso da madeira: “O nosso material, nossa matéria-prima essencial é a madeira. Eu achava que devíamos continuar com a madeira, enquanto não tivéssemos adequadamente, ou perfeitamente, estudado ou desenvolvido outros elementos, ou outros materiais, que pudessem ser eventualmente aplicados, como o metal. Às vezes dizem que eu não gosto de metal. Eu gosto de metal. Acho maravilhoso. A Bauhaus é praticamente toda de metal. O surgimento das estruturas metálicas no mobiliário foi sem dúvida um grande acréscimo. Esse lado da tecnologia da Bauhaus, o que ela alimentava com seu design, isso surgia para nós como uma oportunidade. Quando fizeram a Bauhaus, eles estavam querendo usar um material que estava à mão. A indústria na Alemanha estava já fornecendo uma porção de elementos nesse sentido. Na realidade, os móveis da Bauhaus foram unicamente composições. Claro que foram aplicados com muita bossa e muito design e foram elementos montados sem grandes firulas, sem necessidade de esculpir a matéria. Aqui, na época, a madeira não servia só para a montagem, ela era toda trabalhada como uma escultura, com todos aqueles entalhes. Mas pensei que ela também poderia ser algo estrutural, como matéria-prima de composição desses produtos. Quando fiz a Mole, disseram: ‘Você, Sergio, com essa sua peça, fazendo com quatro pernas esse almofadão de couro, você definiu perfeitamente o local, primeiro observando uma tradição da cultura, que seria, nesse caso, da cultura indígena.’ Como se os indígenas criassem, ou tivessem poltrona mole. Eles tratavam a madeira sem requinte nenhum, ou melhor, sem preocupação em entalhes ou esculpir madeira. Não esculpiam a madeira. Usavam madeira como ela é, como ela aparece na natureza.”
Sergio usou em vários momentos o metal associado à madeira. Fez, por exemplo, a Poltrona Leve Beto para o Salão de Espera do Palácio do Planalto, estruturada em aço inoxidável, com assento e encosto em espuma de poliuretano revestida em veludo ou couro, com braços de madeira de lei.
Para Sergio, a questão era como tratar a madeira, que poderia ser recurso tecnológico e não apenas material. “É lógico que a madeira ia ser o material. Você teria a tradicional maneira europeia e as influências simples dos povos sem a cultura especial de tratamento da madeira, mas com visão estrutural.”
A partir do momento em que Sergio percebeu que as produções em série de seus móveis levavam à necessidade de encontrar outra solução por conta da dificuldade em encontrar, já naquele tempo, o jacarandá, passou a usar outras espécies. “Já que tínhamos outras madeiras à nossa disposição, era mais fácil estudar essas qualidades e adequar outras madeiras com características semelhantes. Talvez não tão belas quanto o jacarandá, mas parecidas.” Uma vez que o jacarandá não tem uma variedade muito grande de tons, Sergio começou a utilizar outras qualidades de madeira com tons mais claros, mais escuros, fazendo algumas variações.
“Muitas peças que utilizavam o jacarandá não tinham as qualidades do design relativas à cultura da época. Nem todo móvel de jacarandá é design brasileiro. O jacarandá foi um dos materiais importantes nessa época. Mas nem todos os nossos horizontes estavam voltados para ele. Assim, passamos para outras madeiras que tivessem certa cor, certo detalhe semelhante ou próximo ao jacarandá. O pau-ferro, a própria imbuia tinham qualidades que podiam ser mais baratas que o jacarandá, porém com qualidades próximas desta madeira.” Para Sergio, essa nova realidade facilitou a fabricação dos móveis porque a indústria começou a usar esses materiais para produzir em série. E o jacarandá foi sendo substituído aos poucos.
Croqui da Mesa Caixe, criada por Sergio Rodrigues em 1988, feita em madeira de lei maciça, com tampo circular em cristal 20 mm.
Croqui da mesa Juá criada por Sergio Rodrigues em 2004, estruturada em madeira de lei maciça, com tampo em formato ovalado.
Croqui com detalhes da Poltrona Mole, criada por Sergio Rodrigues em 1957, em homenagem ao seu amigo Otto Stupakoff.
Croqui do detalhe da Poltrona Mole, 1957.