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Sergio Rodrigues - O Brasil na ponta do lápis

Texto e pequisa: Regina Zappa

O design e o desenho

“Se eu pudesse resumir numa tacada, design é criação.” (Sergio Rodrigues)



“Se eu pudesse resumir numa tacada, design é criação.” (Sergio Rodrigues)

Sergio sempre se ressentiu de que na faculdade nunca teve uma boa explicação do que fosse design. Não havia a prática de se mostrar e comentar o design de uma cadeira, uma poltrona, um sofá, ou qualquer objeto. Por isso, a intuição sempre foi uma veia forte na formação de Sergio. Depois de toda sua experiência e trajetória, Sergio pôde teorizar sobre design e criar sua própria definição, como fez na conversa que teve com o crítico de arte Afonso Luz:

“Design é um elemento que, agregado à técnica, é um modo de trabalho em que você acresce algo às coisas. Seja estético, seja tecnológico, algo é acrescido ao objeto pelo design. Esse acrescido é que causa alguma diferença, alguma impressão, e é o que também causa algum problema para as pessoas que não tem compreensão do design. Porque eles sempre imaginam que design seria a aparência estética, a parte plástica do produto. Quando, na realidade, o design é uma série de elementos, dentre os quais o desenho e a beleza que acrescentam aparência ao produto, integram ao produto alguns predicados visuais. Se eu pudesse resumir numa tacada, design é criação. Tudo quanto é criação para mim é design. Tudo quanto é criado é design.”

Assim como desenvolveu sua teoria durante sua carreira, Sergio também foi aprendendo na prática o que era design. Teve que trabalhar essa característica no cotidiano da sua realização, principalmente, ao perceber que o design está muito ligado ao comércio. Uma das características do design, segundo ele, é apresentar vantagens econômicas para quem o consome, ou também detalhes culturais, que são muito importantes para a valorização do trabalho, para a diferenciação de um produto do outro aos olhos do cliente. “É na maneira como essas coisas são aplicadas no estudo de um design que você valoriza aquele trabalho.”

Apesar disso, Sergio dizia que não se chamava de designer. “Se me perguntarem o que sou, digo que sou projetista de móveis.” Para ele, o design está dentro do ofício da construção. Como deveria ser a arquitetura. Com humor, ele explicou com precisão a função do bom desenho. “O estudante de arquitetura devia passar um período em uma oficina de madeira. Fazer mesmo. Usar técnicas de construção, não só com madeira, mas também com ferro, concreto etc, para poder não fazer muita burrice. Porque muitas vezes o designer fica imaginando muitas coisas maravilhosas e às vezes não funciona. É o caso desse objeto bonitinho pra burro, esse negócio que me dei de presente e que é uma garrafa térmica, pois me atraiu muito na época. Comprei logo. Levei e quando cheguei em casa, o negócio não funcionava. Por quê? Botava lá dentro o café… E para tirar o café, como é que é? O que você faz? Você tem que apertar em cima. Depois de muito tempo, é que você aperta em cima. Até lá, você lambuza várias mesas, o chão…”

Sergio costumava dizer que seu mais importante depoimento era seu dia-a-dia de trabalho. Seu desenho já era uma construção. Sua capacidade de síntese nos projetos sempre chamou a atenção. Mesmo o projeto de uma mesa grande ele conseguia fazer em uma ou duas folhas de papel A4, em escala, com detalhes e cortes em tamanho natural, sem uma informação repetida ou ausente. “Está tudo ali, completo”, explica Fernando Mendes de Almeida, que trabalhou próximo de Sergio por muitos anos. “Ele se considerava ruim em matemática, mas era excelente em geometria. No desenho de mobiliário, sobretudo das cadeiras e dos assentos, você faz a planta, o corte e as vistas, todos sobrepostos, tudo num só desenho.” 

O que Fernando mais admirava em Sergio era sua habilidade para desenhar, mas também a liberdade que se permitia no desenho. “Ele é livre na sua criação. Suas coisas têm um enorme apelo lúdico.” E brincou: “Acho que ele faz brinquedo, e não móvel. Em algumas peças, ao fabricar, dá para ver o brinquedo nascendo. Vai montando aquilo, usando muitos recursos estéticos em peças diferentes, mas é tudo um jogo de montar. Algumas coisas parecem muito simples, mas às vezes são complicadas de fabricar. Outras parecem super complicadas, mas a fabricação é bastante simples. Ele brinca com essas coisas. E sempre soube criar de acordo com os recursos técnicos disponíveis para a fabricação.”

O poder de síntese nos projetos de Sergio traz a vantagem de simplificar a compreensão do desenho, permitindo que o fabricante não se perdesse, uma vez que o desenho já orientava objetivamente a construção da peça. “Ele traz todos os alinhamentos, os rebatimentos de plano. Esse tipo de desenho transmite claramente a sensação de volume do objeto. Você vê a espessura da madeira, o casamento das peças, a dimensão exata do encaixe, sobretudo quando há curvas. Tem tudo ali, todas as informações para fazer a peça em tamanho natural, nas três dimensões. O desenho dele já é meio caminho andado para fazer a peça”, garante Fernando.

Uma das lembranças mais fortes na infância de Sergio e que abriu caminho para o design foi ver o tio James desenhar móveis, entregar aos marceneiros e dali surgir concretamente um produto. Essa ideia de que o desenho se transforma, eventualmente, em algo palpável, fabricado, despertou sua vocação.

Fernando aprendeu muito observando Sergio desenhar, o vendo trabalhar. Atualmente trabalha-se muito em projetos no computador e em 3D, e se perde a relação direta, como Sergio tinha, com o lápis, o papel e o traço, que é imperfeito, mas traz o calor do desenho feito à mão. Perde-se a intuição.

“A textura do lápis no papel tem um calor, faz parte de uma construção, de uma riqueza de detalhes, de informação, de emoção. Aprendi muito isso com ele. Sergio trabalhava como se buscasse um tesouro que, em determinado momento, encontrava. Como se uma coisa estivesse fora dele e outra dentro e uma hora esse casamento acontecesse. Aí você chega naquele desenho e pensa: ‘Era isso que eu estava querendo’.” 

Sergio nunca desenhou no computador, mas sempre à mão livre, mesmo os desenhos técnicos. Às vezes alguém desenhava para ele, mas com sua supervisão. Ele fazia um desenho rústico, um rascunhão, não se perdia em minúcias. Era solto, livre. Os desenhos grandes ele já não fazia há algum tempo, mas fazia os desenhos em papel pequeno, em escala e com detalhes em tamanho natural. Veronica, sua filha, também burilava exaustivamente em cima do desenho.

O ilustrador e desenhista
Não era apenas no desenho de projetos que Sergio se destacava. Como o pai Roberto, que teve uma vida produtiva curta, Sergio era também um exímio desenhista. “Gosto da verve do Sergio, em tudo o que ele faz, até no seu desenho”, afirmou o designer Freddy Van Camp, também um antigo colaborar e admirador. “O desenho dele tem muito humor e acho que ele teria tido uma carreira como desenhista se não tivesse se dedicado à arquitetura e ao design de móveis”, afirmou a jornalista Adélia Borges.

Sergio rascunhava e muitas vezes jogava fora seus desenhos até chegar onde queria. Fernando conviveu com Sergio em muitos momentos de criação. “Certa vez o vi desenhando uma mesa. Desenhou, desenhou e fez aqueles seus furos típicos com gabarito de circunferência. E disse: ‘Essa bola aqui demorei para achar o lugar certo, mas agora já achei’ – e ficou perfeito, assim, dizia brincando. Um dia ele estava no escritório, cansado: ‘Não adianta ficar aqui rabiscando se não estou com uma boa ideia na cabeça. É preciso esperar a chama que vai conduzir o trabalho’.”

Durante a vida inteira, Sergio fez desenhos e caricaturas. Muitos desenhos eram dedicados à Vera Beatriz, fazia como uma espécie de sedução para ela. Os desenhos de Vera Beatriz contam as histórias dele. E muitas vezes eram autorretratos divertidos. Um dia estaria num calhambeque e ela num disco voador. Ou ele estaria numa caricatura, esparramado na poltrona Mole. Os desenhos sempre tinham histórias. E tinha também os desenhos à mão livre, mostrando detalhes de uma peça ou as correias da Mole, as primeiras ideias. Ele se desenhava muito ao lado de Vera Beatriz. Em muitos desenhos ele é um rato e a Vera um esquilo. Aliás, como já se sabe, é daí que vem o nome da poltrona Kilin – do apelido esquilinha de Vera Beatriz.

O humor de Sergio aparecia mesmo nos seus trabalhos de arquitetura. Sempre fazia graça nos projetos, com uma ilustração aqui, outra ali, que representasse a vida de forma singela dentro daquela residência ou escritório. Uma vez projetou uma casa em Angra dos Reis para Antonia, filha de Kati Almeida Braga, com um deck na frente da casa e a piscina embutida no deck. Na perspectiva havia uma mulher dentro do quarto vestindo um biquíni. E outra dentro da piscina, girando na água.

Os exemplos são muitos. Outra vez fez um projeto para um militar e botou no desenho de ambientação uma bota com a sola furada, ao lado do sofá. O sujeito se ofendeu e Sergio perdeu o projeto por causa da brincadeira. Em outra ocasião o cliente pediu que ele criasse um lago no terreno de um sítio em Itaipava. Queria fazer um espaço para hóspedes na beira do lago. Sergio e Veronica imaginaram uma casa arqueológica, que já estivesse no terreno há séculos. Sergio desenhou dois pilares enormes, robustos, como elementos de uma casa ancestral. Mas ao mesmo tempo o projeto trazia uma contemporaneidade, tinha um deck flutuando entre esses pilares que ia dar sobre o lago. E o arremate final bem-humorado: no desenho do lago ele botou uma gôndola passando.

Croqui da poltrona Leve Kilin estruturada em madeira de lei maciça, e em couro, lona preta ou atanato, criada por Sergio Rodrigues em 1973, em homenagem à Vera Beatriz, sua esposa.

Ilustração de Sergio Rodrigues sobre viagem à Nova York com a Kilin – Personagem idealizado por Sergio para representar sua esposa Vera Beatriz – e sua filha Verônica Rodrigues.

Desenho de Sergio Rodrigues de seu apartamento da rua Visconde de Pirajá em 1956, criado para a reportagem "O espelho do dragãozinho", publicada na revista Senhor em 1963.

Cartão de natal criado por Sergio Rodrigues em 1979, em homenagem à sua esposa Vera Beatriz.