Entre um negócio e outro, Sergio inventou um incrível restaurante
Entre um negócio e outro, Sergio inventou um incrível restaurante
Sergio não parava e não desistia, mesmo na adversidade. Quando deixou a Oca, a situação apertou. Já com quatro filhos – Ângela, Veronica, Adriana e Roberto – Sergio precisava arrumar sustento. Como estava fazendo a arquitetura de interior do prédio da Manchete, da Bloch Editores, contratado por Adolfo Bloch ainda na Oca, Sergio decidiu continuar o trabalho. Todo o mobiliário da Manchete era da Oca e o contrato era com a loja, mas Sergio não quis abandonar o projeto e se dispôs a completá-lo e supervisionar o trabalho, mesmo que não ganhasse nada por isso.
Até o teatro da Manchete foi Sergio quem fez, inovando com uma parede cheia de pedacinhos de jacarandá que sobravam dos móveis, invenção mais tarde copiada por muita gente. Pois um dia, Sergio encontrou-se com Bloch na Manchete e este, surpreso, o interpelou:
– Sergio, o que você está fazendo aqui supervisionando a obra? Você não está mais na Oca.
– Mas a responsabilidade é minha, tenho que acompanhar – respondeu Sergio.
Adolfo ficou sensibilizado e decidiu fazer um contrato à parte com Sergio.
– Você vai ser o arquiteto da Manchete.
Foi a salvação. Durante um bom tempo Sergio trabalhou para a empresa de Adolfo Bloch. Mas o acerto com o dono da Bloch não era suficiente para resolver sua vida. Como era inquieto e não se acomodava imaginou realizar um antigo sonho. Sergio sonhava em encontrar um restaurante que não fosse frio, mas acolhedor, e onde o cliente se sentisse como se estivesse na casa de um amigo. Além disso, falar em comer bem era com ele mesmo. Então, por que não juntar a fome com a vontade de comer? Ou seja, por que não aproveitar esse sonho e o desejo de comer uma comida num ambiente acolhedor lançando um novo empreendimento? A primeira mulher, Vera Maria, cozinhava muito bem e não seria difícil, pensou ele, arranjar um bom lugar.
Conseguiram uma casa no Jardim Botânico, na rua Corcovado, 252. Franco Magrini, italiano engenheiro de produção, muito amigo de Sergio, foi trabalhar com ele no restaurante. Vera fazia a comida, a mulher de Magrini fazia os arranjos. O teto foi todo pintado por Juarez Machado, nessa época um artista já bastante conhecido. Nas paredes havia muita sofisticação e um pouco de tudo: as louças da companhia das Índias que ele ganhara da avó, quadros importantes, coleções de aviões antigos, enfim, uma cenografia fantástica com tudo que Sergio gostava.
Sergio narrou anos mais tarde as peripécias do restaurante: “Assim foi criado o Papo de Anjo, nome que dei por permitir uma infinidade de trocadilhos, entre os quais Papa de Anjo, Papa da Culinária, Papos etc. Idealizei um personagem, Maservera Pappa, que seria um arquiteto aposentado, alucinado por um bom prato, cozinheiro exímio, e que converteria seu ateliê-residência, utilizando seu fogão industrial em um laboratório experimental digno de anjos.”
Na verdade, Maservera Pappa era uma junção dos nomes de Sergio, Magrini, Vera e a palavra papa. Sergio inventava histórias incríveis. Tinha até um retrato do tal arquiteto, pintado por Magrini. Sergio “esquematizou” a história da árvore genealógica do Maservera e entregou ao Millôr Fernandes, que desenvolveu um saboroso texto sobre as aventuras do arquiteto, transformado em folheto da casa. Os nomes dos pratos eram sempre deliciosamente sugestivos, como a “galinha, porém honesta”.
“A casa escolhida […] era uma joia. Poderíamos chamar de estilo petropolitano, uma graça. […] O logotipo foi criado por Millôr: a plaqueta de identificação colocada na entrada era retirada toda noite, pois de tão charmosa as primeiras foram surrupiadas de madrugada por alguém de bom gosto. Juarez Machado, como um Michelangelo, pintou cenas de anjos na abóboda do hall de entrada.”
O designer Freddy Van Camp, que trabalhou na Oca depois da saída de Sergio, quando o dono já era o Giulite Coutinho, sempre o admirou muito. “Gosto da verve do Sergio, em tudo o que ele faz. Até no seu desenho. Ele tinha uma imaginação fértil e estava sempre inventando histórias. Na entrada do Papo de Anjo tinha uma parede só de fotos. Inventava que alguém tinha ido caçar na África, alguém da família, e cada foto tinha uma história. Ele soltava mesmo a imaginação. Os móveis tinham história, muitas vezes controversas, que mudavam conforme seu humor. Às vezes contava a história de um móvel de um jeito, outras vezes de outro, diferente.”
No restaurante, a poltrona Mole tinha lugar de honra. A banheira do toalete foi transformada em um enorme vaso de folhagens. Embaixadas e personalidades de todo tipo faziam reservas no Papo de Anjo, que era frequentemente citado nas colunas de jornais e revistas. Saía também nas revistas estrangeiras: “Quando for ao Brasil tem que ir ao Papo de Anjo.”
Mas todos os arquitetos e amigos comiam de graça. Só se usava champanhe estrangeira e uísque escocês na comida. Então, apesar do sucesso enorme, o restaurante começou a dar prejuízo. Os sócios se desentenderam e a casa fechou.
Folder do restaurante Papo de Anjo com desenho de Millôr Fernandes em 1969, ano de sua inauguração.
Ilustração de Maservera Pappa, personagem criado por Sergio Rodrigues para o seu restaurante Papo de Anjo, no Rio de Janeiro, em 1969.
Sergio Rodrigues e Lúcio Costa no restaurante Papo de Anjo, Rio de Janeiro, década de 1970.
Da esquerda para direita, Juarez Machado, Vera Maria Serpa Campos e Sergio Rodrigues no restaurante Papo de Anjo em 1969.