Sergio nos deixou em plena verve criativa
Sergio nos deixou em plena verve criativa
“Teria eu descoberto o espírito do móvel brasileiro?”, perguntou-se, certa vez, o irrequieto Sergio Rodrigues, depois da premiação da sua poltrona Mole. Mais do que isso, Sergio conseguiu traduzir para seus móveis a alma brasileira e sintetizar o jeito de ser carioca. Bonachão, brincalhão, adepto da informalidade, Sergio foi sempre um menino de coração aberto e desarmado. Seu humor contaminava seus móveis e todos à sua volta.
“Até o momento em que Sergio apareceu imperava o móvel que obrigava a sentar com bons modos e elegância. Sergio introduziu a completa informalidade e o conforto. A Mole te abraça, outras peças te acolhem muito bem e te deixam com liberdade para fazer movimentos”, comentou a jornalista Adélia Borges.
Sergio nos deixou em plena verve criativa. Não fosse a doença que o levou precocemente, quando ainda criava e produzia, teríamos até hoje a oportunidade de conviver com suas invenções, seu humor inteligente, sua paixão pelo ofício que escolheu. Já na época da sua loja, a Oca, nos anos 1950 e 1960, o mestre arquiteto Lucio Costa, ficava admirado com seu dinamismo: “Generoso, em vez de se refestelar na sua fabulosa poltrona, continua ativo, não para.”
Sergio atuou em muitas áreas. Criou 1.200 modelos de móveis. Desenhou peças para escritório, hotelaria, restaurantes, jardins e residências, bancos e ministérios. No planejamento de interiores fez ambientação, cenografia e decoração, além do seu trabalho de arquiteto. Foi editor de ambientação e decoração das revistas Senhor e Jóia e escreveu artigos para várias publicações especializadas, entre elas a revista Módulo.
Criou para as lojas Oca (entre 1955 e 1968), Mobilínea (entre 1961 e 1963), Meia-Pataca (entre 1963 e 1968), Escala (1975) e Tenda Brasileira (1977). Em 1985, Sergio dizia que a tendência do móvel seria reduzi-los à expressão mínima e indispensável: leves, práticos, polivalentes e baratos. Uma de suas principais contribuições foi tirar o design de interiores do signo da futilidade e da exibição de status social para colocá-lo dentro do domínio da cultura.
Quando Sergio começou, o segmento de design de interiores era tradicionalmente seara das mulheres, donas de casa, principalmente as mais ricas que podiam fazer a decoração das suas casas. Até que Sergio passou a dar uma contribuição profissional masculina em uma área feminina e dominada por amadores. Os homens que estavam na arquitetura naquela época davam pouca importância aos interiores. “Sergio era uma voz masculina no universo da decoração de interiores”, afirma Adélia Borges. “Não é delicado nem maneirista. É mais incisivo, bruto e grosseiro, sem que isso seja uma avaliação negativa. Mas essa é a sua linguagem. Ele abriu mão da ideia do embelezamento estético e do fru-fru.”
O pesquisador e crítico Afonso Luz acredita que Sergio conseguiu se aproximar de uma linguagem de transição no estilo internacional, ao mesmo tempo em que adquiriu “uma pegada moderna brasileira que permitia que ele criasse no interior dela um desdobramento histórico pleno”.
Não foi sem razão que o júri internacional do concurso de Cantu, na Itália, que deu à sua Mole o melhor prêmio afirmou que “(…) apesar de não se tratar de uma cópia ou estilização, essa peça, criada sem outra intenção senão a de conforto e relax, mescla a indolência e sensualidade mouriscas, que os fofos almofadões sugerem, com a bravura do povo onde o couro cru representa a proteção contra o agreste sertão, aninhada sobre um catre do século XXVII cuja robustez de seus componentes denota riqueza vegetal caracteriza uma região, Norte-Nordeste, transpirando sem equívocos a atmosfera de seu país de origem, Brasil (…)”
A preocupação maior de Sergio sempre foi com a dimensão humana de sua criação. Em uma época em que na arquitetura predominava a fachada, Sergio pensava na vida “lá dentro”. O mobiliário, dizia ele, “é um complemento fundamental da arquitetura, são peças que a definem, são produtos que formam o espaço arquitetônico em seus interiores”.
Como se sabe, Sergio recebeu muitas homenagens em vida. Em 1989, o conjunto da obra de Sergio recebeu o Prêmio Lapiz de Plata, da Bienal de Arquitetura de Buenos Aires. Em 1993, ele participou da mostra Convegno Brasile – La Costruzione de uma Identita Culturale, em Brescia, na Itália. Em 2004, foi tema da exposição individual Sultan in the Studio, na galeria R 20th Century, em Nova York, entre outros tributos.
Das suas boas lembranças ele destacou, na entrevista à revista Casa e Jardim, de 1985, que adorou encontrar a poltrona Mole como única peça não escandinava no Illums Bolighus, centro de design em Copenhagen; amou fazer um estágio de seis meses em Brescia, Itália, na fábrica do designer Carlo Hauner; e ficou felicíssimo ao receber um telefonema de Milão de Oscar Niemeyer para ambientar seu projeto de residência do vice-presidente da república em Brasília (que ele acabou não fazendo).
Sergio era apaixonado por sua mulher Vera Beatriz, adorava ter os amigos por perto e fazer uma boa refeição em boa companhia. Amava a vida com fervor. No entanto, a morte de sua filha Veronica, parceira de todas as horas no trabalho e na vida, roubou o brilho dos seus olhos e o deixou deprimido. Apesar de tentar não se deixar abater e manter o humor que o caracterizava, Sergio se enfraqueceu durante um tratamento contra um tumor e partiu pouco mais de dois anos depois da filha. Deixou casas e ambientes aconchegantes, iluminados pelo seu talento, e uma obra extensa e definitiva, enorme orgulho para os brasileiros.
Caricatura de Sergio Rodrigues na poltrona Mole.