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Sergio Rodrigues - O Brasil na ponta do lápis

Texto e pequisa: Regina Zappa

Sergio na Piazza Navona

“Quem fez essa mesa vai fazer toda a embaixada em Roma.” (Hugo Gouthier)



“Quem fez essa mesa vai fazer toda a embaixada em Roma.” (Hugo Gouthier)

Como costuma acontecer, o reconhecimento de Sergio no Brasil começou a se ampliar depois que ele passou a ser elogiado no exterior. Pouco antes de ganhar o prêmio em Cantu, na Itália, como foi dito anteriormente, a revista italiana Domus publicou, em 1959, uma reportagem sobre o trabalho de Sergio, assinada pelo célebre arquiteto italiano Gio Ponti. Era a glória. A Domus era uma revista muito conceituada entre os arquitetos brasileiros da época e se dizia que quem não a conhecesse não tinha o direito de se considerar arquiteto ou designer.

No percorrer dos anos, a fama no exterior cresceu muito na forma de publicações e prêmios. Tanto o prêmio quanto os elogios no exterior foram um caminho para que Sergio recebesse encomendas do governo para dar a feição do móvel brasileiro fora do país. O projeto mais significativo foi o convite, em 1959, para fazer toda a decoração do interior do Palazzo Pamphili, sede da embaixada brasileira em Roma.

Esse convite surgiu depois que o embaixador Hugo Gouthier, que servia em Roma, entrou um dia na Oca e viu os móveis do Sergio. Olhou e disse: ‘Quem fez essa mesa vai fazer toda a embaixada em Roma, na Piazza Navona.’ O Itamaraty contratou, então, o autor dos móveis. Sergio foi para a Itália sozinho e decidiu que não poderia levar os móveis daqui. Lembrou que seu antigo sócio Carlo Hauner tinha uma oficina na Itália. Sergio o consultou. Disse que faria os desenhos, mas quem poderia produzi-los? Hauner respondeu: ‘Eu faço os móveis na minha fábrica na Itália”. Dito e feito. Acionou a fábrica, que já tinha um bom estoque de jacarandá africano, e lá fizeram todos os móveis da embaixada.

Sergio passou um ano trabalhando na embaixada em Roma. Nesse período ia muito a Milão, templo do design italiano. Até que um dia, seu sócio Carlo Hauner, que era italiano e estava por lá, convidou-o a conhecer Gio Ponti. Foram bater na casa dele e ele estava lá. Sergio lembrava bem desse encontro, que resultou na tal publicação da “Domus”.

“Gio Ponti que me recebeu de uma forma muito simpática. Achei muito interessante o tratamento que ele dava ao interior – porque era um arquiteto do interior também –, mas não gostava muito dos móveis dele. A não ser uma peça e outra. Não é que fossem rebuscadas. Tinham até alguma coisa de simplicidade. A cadeira Superleggera, dele, era finíssima, muito leve. Uma coisa muito bonita. Levantava com um dedo. Ele se interessou pelo meu trabalho e quis ver. Eu já andava com as minhas fotografias de móveis. Ficou muito interessado e selecionou cinco ou seis móveis e publicou na “Domus”. Quando isso chegou ao Brasil foi um sucesso, um impulso muito grande.” Por conta desse episódio, Sergio, tempos depois, rebatizou de Gio, em homenagem a Gio Ponti, uma poltrona criada em 1958, um ano antes da publicação na revista. 

No Brasil, nessa época, vivia-se a efervescência cultural da bossa nova, do Cinema Novo, do concretismo e abstracionismo nas artes visuais e do modernismo na arquitetura. Era uma febre de modernização e Sergio passou a representar na criação de seus móveis essa modernidade e efervescência. Surgia um novo Brasil, alegre, descontraído, informal. O estilo Sergio Rodrigues lançava a inovação com base na tradição. Era um momento de muita esperança. “Ele era o designer dessa esperança, de um Brasil melhor, com alegria, em que as pessoas fossem felizes. Acho que ele expressa muito isso”, afirma Adélia Borges.

Quando a curadora do MoMA, Paula Antonelli, usou a expressão Moderno Tropical para se referir aos designers conhecidos como Irmãos Campana, Adélia foi mais adiante. Afirmou que os Campana já são pós-modernos e que a expressão Moderno Tropical se encaixa mais no perfil do Sergio e nos que vieram antes, como Tenreiro. Para Adélia, a chegada do Sergio e sua busca deliberada de brasilidade retomou a tradição do móvel ibérico.

Produção industrial
O primeiro grande trabalho de Sergio foi uma encomenda para fazer o interior da Assembleia Legislativa de São Paulo. Sergio relembra: “Foi o primeiro grande encomenda que eu tive. Então eu comecei a ficar desesperado porque não tínhamos a possibilidade de mandar fazer isso em outro lugar. Eu não queria dar as plantas para outras pessoas. E acabava fazendo eu mesmo. Mas sempre atrasava um pouco mais. Então resolvemos fazer uma coisa mais industrial. E os operários e os mestres que nós tínhamos tinham muita capacidade. Mas como não havia pedidos para poder atender a uma indústria, a gente ficava controlando. Quando aparecia um pedido mais sério, em maior quantidade, a gente entregava. O pessoal trabalhava sábado, domingo, se fosse o caso. Mas isso foi até um certo ponto, porque depois começaram a vir pedidos um pouco mais complexos. Nós já estávamos no limite da capacidade. Primeiro começamos com uma fabriqueta, a Queta, que tinha o mestre Viana, maravilhoso. Percebi a necessidade de ter algo um pouco mais complexo para poder atender aos pedidos.”

Os operários da fábrica de Sergio estavam aptos a fazer o negócio, mas não havia condições ainda de usar maquinário especial para isso. “Acabamos metendo a cara. A primeira fábrica foi lá em Bonsucesso. A segunda instalamos próximo da Avenida Brasil, ali na João Torquato. Em 1965, descobrimos uma possibilidade, uma grande firma de colchões que estava em concordata em Jacareí, em São Paulo. Fomos visitar. Tinha máquinas de madeira suficientes, um pouco precárias mas suficientes. Muitas máquinas e teares. Tinha 40 teares para fazer tecido também. Não seria a nossa produção, mas era sempre uma coisa interessante. Eu me peguei várias vezes fazendo experiências com tecidos. Principalmente para a Meia Pataca. Para as próprias cadeiras e sofás. Mas eram tecidos um pouco mais rústicos. Então essa fábrica que tinha 10.000 metros quadrados – era muito grande – foi adaptada para poder atender a grandes pedidos e, no caso então, a encomenda da Assembleia Legislativa de São Paulo. E começava já a aparecer alguma coisa lá de Brasília.”

Embarque de Sergio Rodrigues para realizar projeto de arquitetura de interior do Palácio Pamphilj, sede da Embaixada do Brasil em Roma na Itália, 1960.

Sala do Embaixador Hugo Gouthier no Palácio Pamphilj, sede da Embaixada do Brasil em Roma na Itália, 1960.

Sergio Rodrigues com Lucio Costa nas Stanze de Rafael, Vaticano, Itália, 1960.