“Nos seus desenhos pilotou aviões da primeira guerra, viajou em tapetes voadores, andou em balões, visitou as estrelas.” (Fernando Mendes de Almeida)
“Nos seus desenhos pilotou aviões da primeira guerra, viajou em tapetes voadores, andou em balões, visitou as estrelas.” (Fernando Mendes de Almeida)
Aviador. Era o que Sergio queria ser quando crescesse. Se por algum motivo não conseguisse chegar lá, seria piloto de carro de corrida. O gosto pela velocidade vinha de berço. Era ainda bem garoto, mas admirava muito um amigo da sua avó Stella, Irineu Correia, que era aviador e fanático por carros de corrida. Outro amigo dela, Pedro Correia da Rocha, tinha uma grande fazenda onde a família passou muitas férias de verão. Na fazenda tinha uma locomotiva de verdade e Sergio era feliz nas suas brincadeiras e sonhos de um dia poder voar ou zarpar pelas estradas em um carro veloz. Havia também um amigo da mãe Elsa chamado Dark de Mattos, um milionário que tinha lancha e avião, e levava a família de Sergio para passear. A lancha ficava no Iate Clube, do Rio, e o avião descia ali, num campo pequeno. O menino ficava fascinado: “Acho que a paixão pelo avião vem de todas essas coisas. O Dark fazia piruetas e de repente baixava, era sensacional. Eu adorava o cheiro da gasolina.”
Mas nem a tragédia que presenciou em 1935 o atemorizou. No ano anterior, 1934, houve o primeiro circuito da Gávea, que ele acompanhou empolgado e que fez aumentar ainda mais sua paixão por corridas. Afinal, ele acompanhava a história dos carros de corrida desde os 6 anos. Mas no ano seguinte, o amigo de sua avó, Irineu Correa, que tinha uma oficina de carros, sofreu um acidente durante a corrida e morreu instantaneamente. Foi um choque que ele nunca esqueceu. “Eu estava lá e acho que foi a primeira pessoa que eu conhecia que morreu. Fiquei muito impressionado com isso.” Mas a paixão por carros de corrida e aviões o acompanhou pela vida inteira.
A fazenda de Correia da Rocha, em Cabo Frio, ele conheceu bem pequeno. Foi para lá com os pais quando tinha 1 ano para ver se engordava porque era muito magrinho. A avó materna Stella Mendes de Almeida Santos chamava Sergio de pinto porque ele nasceu magrinho. E era tão magro que ele próprio dizia, ao ver suas fotos, que parecia um mico, com os olhos enormes saltando do rosto por causa da magreza. Só voltou de lá quando a irmã Maria Tereza nasceu. Tinha, então, 2 anos.
Depois que se casaram, Roberto e Elsa foram morar em Copacabana, perto da praça Cardeal Arcoverde. Mas não chegaram a ficar muito tempo nesse primeiro domicílio. Como Mário, avô paterno de Sergio, tinha uma enorme casa, quase um palacete também em Copacabana, na rua Joaquim Nabuco, 62, o casal acabou se mudando para a casa do sogro de Elsa quando Sergio tinha menos de 1 ano. Mais precisamente para um porão habitável, “simpaticíssimo”, como diria Sergio já adulto. Era uma casa cheia de quartos para abrigar a família Rodrigues que tinha 14 filhos. Foi nessa época do porão que Roberto conheceu na faculdade, Cândido Portinari, que ia sempre visitá-lo na casa de Mário. Eram tão amigos que Roberto convidou Portinari a dividir com ele seu ateliê de pintura. Portinari chegou a pintar vários retratos de Roberto, pai de Sergio, e de toda a família Rodrigues. Quando o marido morreu, Elsa deixou a casa dos Rodrigues e se mudou com a mãe para outra casa.
A avó Stella teve grande influência na criação de Sergio. Stella vinha de uma família de intelectuais. Seu avô, Candido Mendes de Almeida, era autor de livros e professor de geografia e história em São Luis do Maranhão e senador do Império. O pai de Stella, Fernando Mendes de Almeida, formou-se em direito e foi senador da República. Em 1984 comprou o Jornal do Brasil.
Logo que sua filha ficou viúva de Roberto, Stella tratou de acolher os três netos – Sergio e as irmãs Maria Tereza e Vera Maria, que ainda estava na barriga da mãe – e substituiu a família Rodrigues, de artistas e jornalistas, pelos Mendes de Almeida na vida do pequeno Sergio. Foram todos, mãe e filhos, morar com a avó. O bisavô materno de Sergio, Fernando, era muito rico, mas foi, aos poucos, perdendo sua fortuna. Chegou a ser dono do Jornal do Brasil no início do século XX, mas em uma de suas viagens perdeu o jornal para um de seus funcionários, o futuro conde Ernesto Pereira Carneiro.
Stella tinha três irmãos e uma irmã e casou-se com o médico português Jorge Abranches Santos. Teve uma única filha, Elsa, a mãe de Sergio. Elsa era uma mulher moderna para seu tempo e cheia de vida. Nascida em Paris e apesar de ter estudado no colégio católico Sacre-Coeur de Marie, ela era uma carioca de espírito livre. Inteligente, amante da vida, falava várias línguas. Sua família, que tinha lugar assegurado na sociedade carioca, morava em um casarão da Praia de Botafogo e para ir ao colégio a menina passava pelo corte entre Botafogo e Laranjeiras que estava sendo construído (atualmente a rua Pinheiro Machado). Houve uma época em que Elsa, ainda garota, ia para a escola no lombo de um jumento que ganhara do avô, Fernando Mendes de Almeida, acompanhada por um empregado que seguia a pé. Sergio gostava de contar que todas as garotas do colégio faziam fila para dar uma voltinha no jumento.
Depois do choque com a morte do marido, Elsa precisava espairecer. Um tempo depois, viajou para Paris para a casa de um tio diplomata, irmão da sua mãe, e lá ficou por um ano. Os filhos ficaram com a avó nesse período. Sergio tinha quase 3 anos e por causa desse afastamento ficou sem recordações da mãe na sua primeira infância. Primeira comunhão, festas na escola – nas suas lembranças era a imagem da avó Stella que vinha à cabeça quando tentava se lembrar da tenra infância.
Quando voltou de Paris, um ano depois, Elsa foi morar com os filhos e a mãe Stella numa vila, na rua São Clemente, próxima ao Colégio Santo Inácio. Dessa moradia Sergio não tinha muitas lembranças. Em compensação, uma das imagens mais fortes e maravilhosas que ele guardava era a da mãe chegando de navio da Europa quando ele foi buscá-la no porto. Em uma das vigias do navio ela sacudia um objeto na mão e gritava para o filho: “Olha o que eu trouxe para você.” Era uma baratinha de brinquedo, um desses carros de corrida dos anos 1930. Era mais um elemento para sua “ligação incrível” com carros de corrida.
Nessa época, a família ainda morava na vila próxima ao Santo Inácio. Depois, mudaram-se para a casa do tio James, tio da avó Stella, onde ele viveu um bom período da sua infância e adolescência e do qual tem as melhores e mais nítidas lembranças, recheadas de histórias alegres e criativas que ajudaram a formar o artista e o inventor.
Elsa Fernanda Santos Rodrigues com os filhos. Da esquerda para a direita, Maria Thereza, Vera Maria e Sergio Rodrigues, Rio de Janeiro, 1933.
Sergio Rodrigues com 1 ano de idade, na residência da família Mendes de Almeida, no Rio de Janeiro, em 1928.
Sergio Rodrigues aos 3 anos de idade, Rio de Janeiro, 1930.
Sergio Rodrigues com aproximadamente 3 anos de idade em seu carrinho, no Rio de Janeiro, por volta de 1930.
Elsa Fernanda Mendes de Almeida Santos com Sergio Rodrigues, no centro do Rio de Janeiro, na década de 1930.