A experiência industrial com móveis semiartesanais
A experiência industrial com móveis semiartesanais
Na primeira fase, como já foi dito, a Oca vendia 95% dos móveis de São Paulo (de lojas como a Forma e a Ambiente, de São Paulo). Os 5% restantes eram desenhos de Sergio: o banquinho torneado (Mocho), sofazinhos, mesas de centro. Mas Sergio queria uma loja que atendesse a uma grande faixa de público. “Fiquei meio decepcionado porque como não eram industrializados (embora industrializáveis) meus móveis saíam do forno com preço bem elevado.” Ele percebeu também que as oficinas que executavam esses protótipos passavam a incorporá-los em suas linhas. Além disso, a demanda pelos móveis era crescente. Para solucionar tudo isso, Sergio começou a pensar em abrir uma fábrica.
Assim surgiu, em 1956, a primeira fábrica de Sergio no Rio de Janeiro. A pequena indústria foi batizada de Taba e ficava em Bonsucesso. Embora a ideia fosse fazer produção em escala industrial, a Taba ainda produzia de forma artesanal. “Dessa forma, a qualidade da matéria-prima não importava tanto no custo final e o jacarandá foi reabilitado, acabando com a supremacia do pau-marfim.” O Rio de Janeiro entrou para o mapa dos móveis nacionais modernos. Três anos depois da criação da Oca, Sergio já não importava mais móveis de São Paulo: 100% dos modelos eram criações suas. Em 1958 eram citados internacionalmente por Gio Ponti na sua Domus.
A experiência industrial foi um desafio para Sergio. No início, eram fabricados três ou quatro modelos de móveis de cada vez. Mas a demanda começou a aumentar e era preciso fabricar uma série maior. Anos mais tarde, ainda na Oca, Sergio abriu outra fábrica, esta bem maior, com 10 mil metros quadrados de área coberta, em Jacareí, no interior de São Paulo, que ele chamou de Oca.
Galeria Oca
A Oca lançava móveis, mas também artistas. Por esses eventos, ficou conhecida também como Galeria Oca. Entre muitos, Sergio lançou o pintor, escultor e gravurista Juarez Machado, que tinha vindo do Paraná e que se tornou célebre pouco depois. A arquiteta Dolly Michailovsky, que trabalhou com Sergio na Oca durante muitos anos, reforça o que muitos já sabiam sobre a personalidade de Sergio: “Sergio era de uma abertura incrível. Todos que tinham alguma relação com Sergio tornavam-se grandes amigos dele. Sempre valorizava o que a gente fazia. Com ele foi uma experiência humana, além de uma experiência de vida. Como criador ele era incrível. Um talento inacreditável. Era uma coisa que brotava dele. Não tinha muito método de trabalho, era solto, era artista. Vivia desenhando o tempo todo.”
Dolly estudava arquitetura e tinha um namorado que morava perto da Oca. Seu interesse por interiores se revelou por causa da Oca. Um dia, recém-formada, criou coragem e subiu a escadinha que ficava em frente à porta de entrada da loja e foi falar com Sergio, que passava quase o tempo todo trabalhando nessa sala, no andar de cima da loja. Ela quase não acreditou quando Sergio a ouviu com atenção e a convidou para trabalhar lá. “Ele dava uma abertura grande. Eu ajudava na concepção e na apresentação dos projetos do Sergio.” Quando ela se casou, ganhou de presente de Sergio uma poltrona Mole. “Sergio é inesquecível. Quem o conheceu ou trabalhou com ele sabe disso.”
Nessa época, Sergio fez cenários para peças do teatro que ficava ao lado da loja. E outros cenários, como o de uma peça no Copacabana Palace, do Pedro Bloch. No mesmo período, fez a decoração da casa de Roberto Carlos com os móveis da Oca. Roberto o chamava de “prafrentex”, mas Sergio dizia não ser nada disso. A casa foi decorada, na época, com todos os móveis da Oca e mais parecia uma exposição das coisas da loja.
A pesquisadora Maria Cecília Loschiavo dos Santos, que escreveu vários livros sobre o móvel moderno brasileiro, afirma que “Sergio Rodrigues criou objetos cujas formas estão muito presentes no imaginário coletivo brasileiro, próximos da terra, da rede, do catre, do sentar do caipira, do jagunço e do matuto, do singelo objeto indígena, do trabalho daqueles dois artesãos que fizeram a cruz do início da história brasileira, no ano de 1500”.
A Meia Pataca
Sergio se aborrecia porque queria criar coisas novas, projetar novos móveis e não simplesmente vender aqueles já conhecidos. “Eu ficava muito chateado porque não sou comerciante de jeito nenhum. Ficava chateado de ter que vender os móveis e não fazer outros. Meu sócio dizia: ‘Você vende os móveis da Oca, pode até estar inventando outras coisas, mas tem que vender móveis da Oca.’ E eu fazia aquele negócio todo, empurrando móveis da Oca… Mas sempre queria fazer uma coisa nova.”
Os móveis da Oca começaram a ser comprados por repartições públicas, bancos, instituições. Todos compraram na época. Naquele momento, a nova capital brasileira estava sendo concluída a toque de caixa e Sergio foi chamado para muitos projetos em Brasília. Começou, então, a aparecer um consumo de massa nessa área e Sergio, que a princípio tinha seu trabalho voltado para a solução da arquitetura moderna, do espaço dos prédios públicos, passou a receber encomendas de clientes privados.
Mas Sergio ainda não estava satisfeito. Queria que um público maior pudesse comprar seus móveis. Nesse meio tempo, com o objetivo de comercializar móveis produzidos em série a preços menores, decidiu criar, em 1963, a loja Meia Pataca, que existiu no mercado até 1968. Era uma alternativa de compra para a classe média, pois seus móveis na Oca acabavam direcionados para um mercado de poder aquisitivo alto. Além de móveis produzidos em série, a Meia Pataca passou a vender produtos também de execução mais simples, portanto, mais acessíveis. Estipulou um número limitado de produtos e decidiu usar na Meia Pataca outra madeira, que não o jacarandá, tão utilizado na Oca. Passou a usar a madeira gonçalo alves (hoje é chamada maracatiara ou muiracatiara, em São Paulo).
Nessa mesma época, Sergio associou-se a dois americanos, entusiasmados com seus móveis, e com eles abriu, entre 1966 e 1968, uma loja em Carmel, nos Estados Unidos, a Brazilian Interiors, que expunha permanentemente modelos de sua criação. Seus móveis eram uma atração exclusiva. Sergio adorou. “Era uma loja simpaticíssima, em um shopping todo em madeira.” A loja da Califórnia mostrou que os americanos, já naquela época, gostavam dos móveis de Sergio. “Acho que era um sucesso grande porque toda a Costa Oeste foi criada pelos latinos e eles não tinham móveis atuais e não conseguiam nenhum designer que fizesse esse tipo de trabalho. Quando viram meus móveis ficaram muito entusiasmados. A loja ficou dois anos lá exclusivamente com meus móveis.”
O fim da Oca para Sergio
A Oca ia de vento em popa, mas os negócios nem tanto. Sergio não participava da administração e apesar da loja ser um sucesso, os negócios não iam bem.
Para infortúnio de Sergio, que nunca teve olhos para a maldade alheia, outro sócio que estava no negócio com ele desde o início revelou-se mau administrador e acabou levando Sergio à bancarrota. Amigos e familiares tentavam alertá-lo para a forma errada como iam sendo conduzidos os negócios. Ingenuamente, Sergio não acreditava. Portanto, sua imensa capacidade criativa não foi acompanhada de uma habilidade no trato dos negócios. Quando o sócio italiano, Grasselli, percebeu que os negócios não iam bem administrativamente por causa do terceiro sócio, decidiu sair.
Com a saída de Grasselli, a loja ficou sem dinheiro. Foi quando chamaram Giulite Coutinho, que mais tarde, entre 1980 e 1986, seria presidente da CBF, para ser sócio capitalista. Imediatamente ele percebeu a má administração e despediu o sócio de Sergio que, em solidariedade, também deixou a loja que ele próprio tinha criado. No mesmo ano em que saiu da Oca, 1968, fechou também a Meia-Pataca.
Sergio ficou mal. A essa altura já tinha quatro filhos. Verônica, Adriana e Roberto já tinham nascido. Não sabia o que fazer. Mais tarde um pouco, foi pedir a seu ex-sócio que lhe passasse as ações porque Giulite queria comprar. Só aí descobriu que elas tinham evaporado. Ou seja, já não existiam. Sentindo-se decepcionado com o sócio, Sergio pediu desculpas a Giulite e ficaram amigos até o final, embora Sergio nunca tenha voltado a ser sócio da Oca. Depois de treze anos como sócio, de 1965 a 1968, Sergio se desligou da Oca.
Pouco depois, Sergio montou um ateliê no Rio, onde trabalhou com arquitetura de interiores para residências, escritórios e hotéis e realizou projetos para vários clientes, entre eles para o dono da editora Bloch, Adolfo Bloch, fazendo todo o interior da sede da editora no Rio. Também desenvolveu linhas de móveis para produção industrial. Foi nessa época que participou da exposição “Mobiliário Brasileiro – Premissas e Realidade”, no Museu de Arte de São Paulo (MASP).
Sergio já estava casado com Vera Beatriz, uma antiga namorada da adolescência, que, felizmente, assumiu com rédeas firmes a tarefa de administrar a vida profissional de Sergio. Desde então, a produção de seus móveis passou a ser feita por fornecedores contratados caso a caso e, em 2000, Gisele Schwartsburd, de Curitiba, assinou um contrato com Sergio, intermediado por Vera, para abrir a Lin Brasil, uma empresa que iria produzir apenas suas peças. Sem as preocupações da produção, Sergio pôde voltar a dar vazão à sua incrível criatividade, passando a criar projetos incessantemente, como uma “usina de ideias”.
Vista aérea da fábrica de móveis da Oca em Jacareí, São Paulo em 1965.
Fachada da loja Oca furniture, em Carmel - Califórnia, Estados Unidos, 1965.
Interior da Loja Oca furniture, em Carmel - Califórnia, Estados Unidos, datada entre 1965 e 1968, período de funcionamento da loja.
Capa do catálogo da linha Meia Pataca, 1968. Logotipo criado por Goebbel Waine em 1963.
Catálogo da linha Meia Pataca, 1968.