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Sergio Rodrigues - O Brasil na ponta do lápis

Texto e pequisa: Regina Zappa

Arquitetura em harmonia com a vida

“O bom arquiteto precisa entender a dimensão humana da sua invenção.” (Fernando Mendes de Almeida)



“O bom arquiteto precisa entender a dimensão humana da sua invenção.” (Fernando Mendes de Almeida)

Sergio tinha uma frase que gostava de repetir: “A arquitetura se define de dentro para fora. A fachada é consequência”. Sua maneira de ver a casa, o ambiente, sempre foi com um olhar de dentro para fora. Sua arquitetura era projetada para que a vida acontecesse lá dentro, a partir de uma ideia de harmonia que o ambiente pudesse trazer às pessoas. Nos seus desenhos os ambientes são planejados com detalhes. Não é raro ver nos projetos de Sergio ilustrações de atividades acontecendo dentro das casas ou de objetos que pudessem contribuir para o entendimento da vida no cotidiano. Por exemplo, o desenho no meio de uma planta de arquitetura de um banco para calçar o sapato ou de um abajur para a leitura próxima à poltrona. No projeto de uma casa de praia, desenhou uma mulher dentro de um quarto vestindo um biquíni, que se podia ver da janela aberta. Eram sempre desenhos de pessoas ou de objetos que iam se encaixando no ambiente, tendo em mente a convivência na casa.

Mas o arquiteto sempre esteve em contato com o designer no trabalho de Sergio. Para Fernando Mendes de Almeida, um de seus principais herdeiros profissionais, a construção na sua arquitetura tinha sempre a ideia do encaixe. “Não no sentido do encaixe da marcenaria, mas de pilares e vigas. Ele sempre bolava ambientes em que os objetos pareciam ser todos personagens. Era tudo feito pensando na convivência. Nada era desconectado do afeto. Não basta a um arquiteto planejar e estudar suas criações de forma técnica. Para ser bem-sucedido ele precisa entender a dimensão humana da sua invenção.”

A arquitetura de Sergio era cheia de elementos e pensada sempre de forma lúdica. A casa que ele construiu para sua família em Petrópolis tinha claraboia, mezanino, uma escada estilo Santos Dumont que dava num jirau aberto para a sala. O quarto dele tinha uma janela que dava para fora e outra para dentro. Tinha pé direito duplo. “Era quase uma brincadeira, mas feita com a maior seriedade, como é séria a brincadeira para a criança”, afirma Fernando.

A ligação da arquitetura com o design de interiores vem desde o tempo em que as cadeiras ficavam encostadas nas paredes e completavam o desenho do prédio como se fossem colunas ou elementos da própria arquitetura. Isso pode ser visto, por exemplo, no Palácio de Cristal, em Versailles. Lá, as cadeiras, os móveis, os sofás, as poltronas, as mesas auxiliares, todos encostados nas paredes, formam com essas paredes um complexo arquitetônico. Sergio trouxe para sua formação esse conceito de que o interior deve estar ligado à arquitetura, muitas vezes esquecido pelos arquitetos.

Para Fernando, Sergio sempre teve vocação para o mobiliário. “Ele dizia que via um movimento muito avançado da arquitetura brasileira com o movimento modernista e os interiores não acompanhavam essa modernidade. Continuava-se a preencher os interiores com mobiliário colonial ou importado. Faltava esse mobiliário moderno. Ele teve essa visão, essa intuição, e investiu nisso, que acabou sendo seu caminho principal. A visão de arquitetura dele é muito de interior.” 

Sergio tinha consciência disso. Revelou esse pensamento em entrevista ao crítico Afonso Luz: “Eu pensava o seguinte – como fiz arquitetura, sou arquiteto, e gosto de madeira e gosto de mobiliário, imaginei que a arquitetura pré-fabricada, produzida num atelier, numa oficina, seria design. Então a arquitetura pré-fabricada, de saída, é design, porque você tem as qualidades necessárias para o design e é, na realidade, ele que equipa a arquitetura para se realizar, equipa esse espaço com elementos característicos daquilo que foi criado para uma determinada função, como as soluções que eram dadas ao mobiliário.”

Em 1975 Sergio conquistou com a poltrona Kilin o prêmio do Instituto de Arquitetos do Brasil, no Rio de Janeiro. A essa altura, os projetos de residências, hotéis e escritórios já ganhavam força em sua carreira. Vários arquitetos e designers colaboraram com Sergio em seus protótipos, muitas vezes, a partir de 1977, como Freddy Van Camp, Arthur Jorge de Carvalho, Lucinha Redondo. A partir de 1980, projetos de casas e ambientação de interiores voltaram a ter a colaboração de Dolly Michailovska. Depois de trabalhar junto com Dolly, Veronica passou a ser a principal colaboradora de Sergio nos projetos de arquitetura.

A SR2
A partir do desejo de construir uma casa de campo no terreno do sogro que pudesse ser transportada, em caso de mudança, Sergio começou a fazer em 1959 os primeiros estudos do SR2, um sistema composto de elementos de madeira pré-fabricados para a construção de arquitetura habitacional. Primeiro Sergio pensou em uma estrutura de tubos de ferro galvanizado com revestimento em compensado. Depois, claro, chegou na madeira. Fazia esses projetos fora da Oca e trabalhava noite adentro, domingos e feriados, para encontrar a solução. 

Ao ver o material de estudos de Sergio, a então diretora do Museu de Arte Moderna (MAM-RJ), Niomar Muniz Sodré Bittencourt convidou-o a fazer uma exposição no MAM, em 1960. Dessa forma, em menos de vinte dias, nasceu o primeiro protótipo de uma casa modernista desenhado por Sergio e construído no MAM. Não era uma casa pré-fabricada com projeto pronto, mas um sistema construtivo atendendo ao programa do cliente. O protótipo tinha 50 metros quadrados e causou impacto. Havia peças padronizadas de pilar, de viga, painéis de fechamento e essa casa era construída como se fosse um lego. A peça era montada com os painéis já pré-determinados. Lucio Costa declarou em carta a Israel Pinheiro – responsável pela construção e mais tarde primeiro administrador de Brasília – que aquela seria a única casa de madeira que poderia ser construída na nova capital porque o plano piloto não admitia casas de madeira.

Entre 1962 e 1967, Sergio pôs em prática seus estudos do sistema SR2 em construções como o Iate Clube de Brasília e dois pavilhões para hospedagem de professores e restaurantes na Universidade de Brasília, a pedido de Darcy Ribeiro. Mais de 200 casas foram construídas com esse sistema até 1968 e pelo menos 70 foram transportadas de São Paulo para a Amazônia em aviões Hércules e montadas na floresta para servir ao Centro Humbolt de Pesquisas.

O SR2 foi usado também em Goiânia para a construção de casas e clubes e em 1977, em parceria com o arquiteto dinamarquês Leif-Artzen, Sergio desenvolveu um estudo para exportação para as temperaturas extremas dos países nórdicos que foi chamado de Modu-Lar.

No começo, as mais de 200 casas projetadas tinham o telhado plano. Algum tempo depois foram feitas com telhado inclinado. Só as primeiras eram de telhado plano, como algumas que fez em Brasília. Sergio trabalhou com o projeto em três fases. Em 1980, voltou com o SR2 com a construção da sua própria casa em Petrópolis e mais outra em Brasília. Parou de novo e voltou a construir em 1993. Daí para frente fez muitas casas. 

A atuação de Sergio como arquiteto foi relativamente ofuscada pela notoriedade do designer de móveis, mas a exposição do protótipo, em 1960, deu partida à produção e montagem, nessa década, de centenas de unidades, entre casas, conjuntos habitacionais, pousadas, clubes, restaurantes e postos ambulatoriais. Em 1982, Sergio participou da exposição O design no Brasil: história e realidade, no SESC Pompéia de São Paulo, que preparou o terreno para a revitalização do Sistema SR2, em 1984.

Apesar de ter se notabilizado mais como designer de móveis, durante muito tempo Sergio fez questão que o selo dos seus móveis trouxesse a inscrição Sergio Rodrigues, arquiteto, Brasil. Achava-se que a arquitetura tinha mais prestígio. Sergio costumava dizer: “Eu desenho móveis, mas sou arquiteto.” Apesar disso, Sergio nunca teve afinidade com a chamada alta arquitetura. Segundo Fernando Mendes, não é o jeito dele de ser. “Ele gosta da simplicidade, do aconchego, é bonachão, brincalhão, gosta da informalidade que não é a linguagem dessa alta arquitetura.” Tempos depois, Sergio passou a assinar apenas Sergio Rodrigues, Brasil.

Durante toda a sua vida Sergio nunca perdeu o humor e o savoir vivre. Mas em 2012, pouco mais de um ano antes de sua morte, sofreu um revés que o deixou amargurado. Perdeu a filha Veronica, que trabalhou com ele durante muitos anos em seu escritório de arquitetura e era seu braço direito. Os dois tinham uma enorme afinidade e ele a considerava sua herdeira nessa área. Talentosa, com a mesma profissão do pai, Veronica participava de todos os projetos de arquitetura de Sergio e os dois tinham a mesma linguagem. “Veronica se revelou excelente arquiteta. Era a continuação do Sergio, seu braço direito e uma grande companheira. Sergio via nela a continuação dele”, declarou Dolly Michailovsky. Para Vera Beatriz, viúva de Sergio, “ela herdou a criatividade do pai. Mesmo doente, ela ainda trabalhava, dava aulas na PUC, mesmo se sentindo mal. Nunca vi guerreira assim”, afirmou. Foi um baque. Sergio ficou muito abalado com a morte da filha, e nunca mais se recuperou completamente, embora tenha sempre tentado manter seu humor e seu jeito leve de ser.

Fotografia da maquete de casa desenvolvida através do Sistema SR2 de arquitetura industrializada em madeira.

Exposição "Casa individual pré-fabricada", onde Sergio Rodrigues apresentou o protótipo do Sistema SR2 de arquitetura industrializada em madeira, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, em Março de 1960.

Casa Xiklin, construída através do Sistema SR2 de arquitetura industrializada em madeira, no Rocio, em Petrópolis, Rio de Janeiro, no ano de 1983.

Desenho do projeto "Aldeia da Benedita", construído através do Sistema SR2 de arquitetura industrializada em madeira para Regina Casé em Mangaratiba, Rio de Janeiro na década de 1990.